segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Estrada


O tempo era veloz e eu me arrastava. Ia, voltava. Voltava e ia. Acabava por ficar perdida na inércia e por não conseguir decidir qual caminho seguir, deixava-o me levar com suas mãos quase velhas.

Levava-me na valsa, sem vestido vermelho cheirando a guardado, sem amor antigo adormecido, sem música inaudível tocando no coração. Apenas seguia o compasso tão sem ritmo que ele tinha, e ainda menos ritmo eu tinha e covardemente bailava.

Por fim, os lençóis tão mal sonhados serviam de apoio para o pensamento que transfigurava a imagem do momento vão. E o olhar vago, vagava por entre as nuvens de algum céu que não pôde enxergar, desejando regressar e pegar a estrada inversa.

(Juliana Trentini)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Ato






as palavras são apenas cortinas

que encobrem os verdadeiros atos

e sentidos.

nas coxias cochicham

[os desafortunados]

e vão jogando os dados do destino

Em vão...

pois a estrada é reta

e o menino sem certezas ou metas

é homem encerrando o espetáculo

(Juliana Trentini)

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Lugar comum




De manhã, quando o hábito observa o sol rompendo o céu, eles se olham em meio aos lençóis de tom pastel, um olhar cor de cansaço aperta o botão do celular que toca uma musiquinha irritante. Nenhuma palavra trocada, ambos detestam conversar quando acordam.



Lava o rosto com sabonete esfoliante e se observa diante do espelho, o cabelo já está vermelho desbotado, quase laranja, a unha por fazer, a beleza tão desgastada quanto o amor.Ele prepara o café da manhã, a cozinha abre-se para os cheiros invasivos do dia que principia, o dejejum acompanha o mecanismo do silêncio e há um abismo entre eles, permeando o campo da introspecção dos dizeres.



Eles deixam a casa e seguem para seus trabalhos. Ela lida com o giz de cera, com as palavras e com as cabeças com tantas sentenças. Ele segue com seus códigos, leis e petições. Na hora do regresso, ele liga a tv na sala com um volume alto demais. No quarto de estudos, ela prepara a aula do dia seguinte e corrige textos. Mais tarde , ele coloca a música espanhola do seu mp3 e repousa sobre o travesseiro, lançando seu pensamento em direção ao teto, rompendo-o, cimento, tinta e cal. Os cílios querendo descansar, mas hesita e chama:



- Marília, vem deitar!

- Já vou!



E vai com os pés e pensamentos arrastados, pega o livro na cabeceira e começa a invadir um universo que não é seu e é logo interrompida.



- Marília, quantas noites você vai fazer a mesma coisa? Estou cansado de toda noite você se esconder no seu trabalho ou nos seus romances! Se você não está feliz a gente acaba, mas não finja que não tem marido, eu existo, tenho vontades!



-Engraçado Aurélio, só você tem vontades e as minhas não existem? Você quer que eu me entregue, que eu prenda o choro por amor se este se transformou em um bom dia que nem sequer nos damos? Você quer que eu me anule? Só eu tenho que ceder, é isso?



- Alguém tem que ceder!



- E esse alguém tem que ser eu?



- O problema é com você, é você que se esconde, foge, enfia a cara nos livros e esquece que eu existo. Ei, eu existo!



- O problema é comigo? Você que se transformou em um ser mecânico! Cadê a poesia, os versos, o perfume, a cor, o sabor? Você não se preocupa mais em me agradar, não há mais tempero, Aurélio!



- Tempero, é isso que você quer?



Ele abruptamente, aperta sua nuca enche a mão com seus cabelos, joga o livro para fora da cama e a beija, a ama e deseja e cala e ama e beija.Ela chora e se entrega...



O romance com as páginas abertas ao chão é o mesmo romance que abriga a cama e o teto, o amor é lugar comum, é a falta de liberdade que liberta, é o bom dia que se alardeia nas frestas da janela entreaberta.


(Juliana Trentini)


Aperitivo poético do dia:

Domino o impulso de sair
para fora da vida
para entrar cada vez mais nela.
O sopro que apaga a vela
reacende a chama.

(Carpinejar)

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Fuga





Não percebia, mas sempre procurava subterfúgios para evadir o instante, burlava seus desejos e se escondia do seu próprio medo. Distribuia sorrisos rasgados e estava sempre com a mão estendida para ajudar o amigo diante da derrocada.

Desviava o olhar, era seu mecanismo de defesa, assim não se denunciava...talvez essa trava nunca tenha sido destrancada pela chave do tempo, a cor virada para baixo ou para os lados, sempre desviando... era escudo. Sim, covarde! Covarde diante de si, diante uma entrega que jamais se permitiu, óculos escuros.

Tão doce quanto um limão e tão suave quanto o mar arrebentando nas pedras, era essa a imagem pré-moldada no revestimento dos seus olhos e por trás das cortinas estava guardada uma caixinha de música com uma bailarina impossibilitada de dançar devido a uma pecinha quebrada.

A grande incógnita que habita as coxias do espetáculo está contida, composta e metrificada em uma canção sem som ecoando o silêncio. Há uma bailarina sem compasso, uma pergunta sem ponto de interrogação que versificam em dísticos um destino conduzido pelo próprio ser questionador:

“ Fui podado, tolhido, fugitivo!

Limado, trancado, morrido? Amado? “

(Juliana Trentini)
 
 
P.S:. Postagem dedicada as pessoas que não tem coragem de enfrentar seus medos e por um acaso incrível do destino são sempre os covardes que atravessam meu caminho e eu faço questão de aparecer com a maleta de primeiros socorros.
 
P.S:. 2  Hellen, acho que você traçou o perfil de maneira equivocada =P


Aperitivo poético do dia:

Não sei o que faça,
Não sei o que penso,
O frio não passa
E o tédio é imenso.

Não tenho sentido,
Alma ou intenção...
Estou no meu ouvido...
Dorme, coração...

(Fernando Pessoa)

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Travessia


















O carrasco vem
trazendo seu ódio nos cabelos
trançado de armas e rancor
não há leis, direitos e concessões
na luta entre homens e leões

não há nada que o coração verbalize
só vingança, ódio.
do outro lado tem os olhos
revelando o medo
medo, medo ... ... ... ...

o silêncio sepulcral
deixa o vestígio da dor
e ele atravessa a barca
sem visão, voz e ouvidos
mas tem suas moedas de pagamento
o barqueiro realiza a travessia

e de fim o que resta dessa guerra?
Nomes, coragem e covardia
lamento, desespero e poesia.

(Juliana Trentini)