domingo, 25 de abril de 2010

doador de versos



iluminação natural dos céus
as cores rompem os pensamentos
e a madrugada

doa versos e licores
ao mundo
aos homens
subterfúgios

 esconde-se
em seu próprio labirinto
conhecendo bem a passagem
os tortuosos caminhos
vê a porta, mas não abre

as claves sustentam
o impoluto guardado
nos imagéticos sonhos

Juliana Trentini



Aperitivo poético:


As rodas rangem na curva dos trilhos
Inexoravelmente.
Mas eu salvei do meu naufrágio
Os elementos mais cotidianos.
O meu quarto resume o passado em todas as casas que habitei.

Dentro da noite
No cerne duro da cidade
Me sinto protegido.
Do jardim do convento
Vem o pio da coruja.
Doce como um arrulho de pomba.
Sei que amanhã quando acordar
Ouvirei o martelo do ferreiro
Bater corajoso o seu cântico de certezas.


(Manuel Bandeira)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Fome




saudades das palavras
valsando as horas
adormecendo os verbos
impossibilitados de acalentar o ser

sem descobrir qual o personagem principal
descobre-se
desbravamento interrompido
percalços do caminho

o despertador chama:
É hora do almoço!
o pensamento alheio
invasivo e covarde
acena!

o arroz tem cheiro de erva doce
e de abandono
alimenta-se
a fome tem outro nome


Juliana Trentini


Aperitivo poético:

Eu me consumi
antes de ter nascido.
Não ter mistérios
é o maior deles.


Carpinejar

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Árvore







a poesia sobre poesia disse:
Existem olhos cúmplices e distantes
preparam o peixe juntos
não há submissão

a poesia sobre a poesia disse:
Não há explicação nas palavras
só a vontade adormece o delírio onírico

e a física sobre a física disse:
É impossível não pensar o óbvio
o corpo dança os ritmos dos galhos
jazz samba coco blues 
e está formada a árvore

bebem a seiva dos quilômetros existentes
desfeitos nas construções lexicais
raiz se faz colheita 

(Juliana Trentini)




Aperitivo poético:

Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinho na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.


O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.


(Adélia Prado)

terça-feira, 13 de abril de 2010

Solo




a guitarra arranha seu solo
notas da claridade invasiva da manhã
observa as cores quentes
enverniza a imagem
seguindo solidão sossegada

o ar e os tetos reprimem seus afetos


(Juliana Trentini)



Aperitivo poético:

O ar os tectos

Aqui o inverno mata as profissões que têm acesso
                                                                 [ao ar,
a dos que andam por fora
por ruas e por roupas, com as vias da respiração
opressas
porque estão a erguer casas de telha vã e pastoreiam
só animais que restam impolutos
das ribeiras cheias
de temporais e frutos
que nas águas tristes se despenham.

Como repetido é sempre o inverno,
com a chacina de animais,
com os ventos iguais que nos descoram,
as cornijas nas ruas devorando
os temporais
e nós, sem profissões libertas, também
a erguer os corpos
opressos pelos tectos.


Fiama Hasse Pais Brandão

sábado, 10 de abril de 2010

Águas de março de abril


















nem foi preciso regar as plantas
as águas de março presentearam abril

a casa toda cheira a jasmim
o branco da infância

busco pincéis

as ausências são muito claras
escolho o lilás enfeitando a distância

abro a cortina e a cidade responde:
entre muros e luzes
está o chão

(Juliana Trentini)


Aperitivo poético:


PRIMEIRO POEMA DE ABRIL
VEM VINDO O ABRIL TÃO BELO EM SUA BARCA DE OURO!
UM COPO DE CRISTAL INVENTA AS CORES TODAS DO ARCO-ÍRIS.
EU PROCURO
AS MOEDINHAS DE LUZ PERDIDAS NA GRAMA DOS TEUS
                                    [OLHOS VERDES,
E ATÉ ONDE, ME DIZ,
ATÉ ONDE IRÁ DAR ESSA VEIAZINHA AQUI?
(ABRIL É BOM PARA ESTUDAR CORPOGRAFIA!)
Mario Quintana

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O tempo























   o tempo inseguro
  divisor das águas
  deixa-nos à deriva
  alimentando as mágoas


 o tempo seguro
 memória do silêncio
 o tempo solicito
 se encarrega em ser abrigo

 (Juliana Trentini)




Aperitivo poético:

Perder, ganhar

Com as perdas só há um jeito:
perdê-las.
Com os ganhos,
o proveito é saborear cada um
como uma fruta boa da estação.

A vida, como um pensamento,
corre à frente dos relógios.
O ritmo das águas indica o roteiro
e me oferece um papel:
abrir o coração como uma vela
ao vento, ou pagar sempre a conta vencida.

Lya Luft

difícil caminho



paira alguma coisa sobre ela
uma espécie de infelicidade

será uma enfermidade?

Um infortúnio.

Amor infecundo.




Aperitivo poético:

"Em todas as histórias e romances que eu pudesse ter lido,
que eu pudesse ter ouvido,
a trajetória de um amor verdadeiro
nunca transcorreu em caminhos suaves"

 (Shakespeare)

Sonho de uma noite de verão
Lisandro, ato 1, cena 1.