segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Canção tardia










Os pés ainda desajeitados
a coluna ligeiramente curvada
rostos encontram ponto fixo
e bailam imponentes
com o ritmo que ainda não têm
Bach toca sua orquestra N.3 em Ré maior
e na corda de sol passam luzes noturnas
com vista para a ponte e o porto

pessoas e carros passam
cantarolando
canções fugidias do dia a dia
os meus cabelos mal presos
dançam junto as bailarinas de Balzaque
os olhos constatam:
Nunca é tarde!
Nunca é tarde!

Juliana Trentini
Aperitivo poético:

As pequenas bailarinas
Fila de espera por trás das cortinas
As pequenas bailarinas
Cordão de estrelinhas de tule
Querendo virar cometas.

Pelos olhos cintilantes
Não serão elas, as estrelinhas
Que no palco entrarão.
O palco com cortinas e aplausos
Já entrou-lhes no coração.

As pequenas bailarinas
Saem estrelas, voltam fadas,
São pastoras e ovelhas
Feitas de coques, sapatilhas e meias
Pelas músicas orquestradas.

Encerrado o espetáculo
Nem de noite nem de dia
Vão as estrelinhas para a casa
E por mais que o sono arrebate
Já não podem ser apagadas.

Anchella Monte

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

não saberes


Disseram-me que a tristeza é mais poética que a alegria, não sei. Talvez seja. Talvez seja necessária a ausência de cores para encher a aquarela de tons. Mancho os dedos com solvente tentando desbotar as palavras, mas elas incrustam nos cantos dos dedos e me acompanham sem nada dizer. E me calo tentando traduzir algum caminho, porém o estrangeirismo das letras impede-me de decifrar o destino.

Se o dia nubla ou o sol se anuncia, já não sei. Desconfio que em mim não exista nem alegrias nem dores, estou repleta de ausências. Já nada dói, nem nada ri. Logo eu que sempre detestei o equilíbrio e a razão. Figuro exatidão no espaço.

Não vou esquecer a bagagem para fomentar os contornos futuros, farei camadas “com açúcar e com afeto”, esquecerei a fotossíntese e a osmose, cansei da passividade. Sou voz ativa dos meus anseios.  Acho que na verdade meu sujeito sempre participou das ações, mas nem sempre eu estava lá para assistir. 

(Juliana Trentini)
Aperitivo poético:
Motivo


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.


Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Cecília Meireles