Era uma vez um conto de Clarice Lispector. Ele aconteceu no Recife. No tempo em que as crianças amavam os livros. Ainda existem crianças que os amam. Mas a felicidade clandestina da qual falo nada tem a ver com a infância.
Venho vivenciando essa clandestinidade, imaginando, sonhando feito criança que deseja aventurar-se em um universo lúdico. Procurando desejos palpáveis e tendo a esperança sempre alimentada, tortuosamente alimentada por alguém que talvez finja me entregar o livro aberto, cheio de ilustrações e histórias, repleto de caminhos táteis e mágicos a serem percorridos. Porém, na mesma medida em que vejo o livro, vejo o esconderijo. São estantes de ferro trancadas, uma cara amarrada, fechada para o sorriso que volta e meia se abre (aqui e acolá) apenas, única e exclusivamente para me deixar esperançosa novamente. E quando me encontro diante da página certa, da porta e da janela escancaradas, vem aquela ventania de crueldade e me diz que aquele espaço está ocupado e que o meu tempo já passou. “Agora você já pode ir” diz. “Depois você me procura e veremos o que podemos fazer”. Depois e depois e depois...e eu vou e volto, sempre nas oscilações inebriantes de uma alegria para a qual talvez jamais serei submetida.
Há pessoas que adoram cometer requintes de crueldade, dando sempre um fio para que a gente possa agarrá-lo com todas as forças e de repente pegam uma tesourinha e “puff” lá vem a queda...e é choro, e medo, e raiva...mas eis que por alguma razão do universo, aparece sempre um e-mail dizendo que gostaria da sua presença, da sua poesia, da sua produção e mais tarde, quando o peito infla de tanta alegria, o coração se marginaliza novamente...
A minha felicidade é clandestina.
(Juliana Trentini)