terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Crítica literária




Férias chegando e enfim posso me dar ao luxo de escolher minhas leituras. Já estava farta de ler resenhas e resumos sobre o ato de resenhar ou estudar a história das línguas românicas. Enfim...coisas da faculdade, não nego a importância das mesmas para a minha formação acadêmica, porém dizer que é uma leitura prazerosa, isso já é hipocrisia.

Comecei a ler "Mulher Perdigueira" de Fabrício Carpinejar, presente que ganhei dos meus amigos e grandes leitores (Sil e Dolfo). Fiquei maravilhada por ganhar um livro autografado e por ele chegar assim de surpresa na portaria do meu prédio; é muito bom ser lembrada, e mais, lembrarem do que a gente realmente gosta. A paixão por Carpinejar  (obra) começou quando minha mãe apresentou-me o livro "Como no céu" e ele me fez realmente alcançar o céu das palavras e compreender o chão, os elementos e as sensações e ainda mais encantada fiquei porque nesse mesmo livro existe um outro, como se fosse outra parte, ótimo  para quem gosta de dar uma espiadinha de trás pra frente do livro, intitulando-se o segundo (?) "Livro de Visitas". E foi como quem entra pela porta dos fundos e vai direto para a cozinha tomar café e comer bolo, eu me senti em casa, abrigada em um ninho repleto de metáforas e comparações sensíveis e táteis. 

Com o último livro tive certo preconceito. Por que cargas d’água mulher PERDIGUEIRA? Quer dizer que as mulheres são cadelas boas para a caça? Quando li a crônica que nomeia o livro, meu preconceito diminuiu parcialmente, pois em sua crônica ele diz gostar das mulheres contraditórias, das que ninguém quer, essas ele quer. Daquelas que fazem escândalo nas brigas e que cercam seu companheiro o tempo inteiro. Em seu texto diz: “Não me interessa um tempo comigo quando posso dividir com alguém. Quero uma mulher que esqueça o nome do seu pai e de sua mãe para nascer em meus olhos. Em todo momento. A toda hora. Incansavelmente. E que eu esteja apaixonado para nunca desmerecê-la, que esteja apaixonado para não diminuí-la aos amigos.”

Pois eu não quero ser uma mulher perdigueira, interessa-me um tempo comigo, eu preciso me amar para poder amar os outros, eu preciso me conhecer para conhecer os outros. E eu quero alguém que saiba compreender o vazio, que me ame na presença, mas na ausência também, o espírito tem que ser maior do que a carne. Não quero alguém que esqueça os amigos para me viver 24 horas por dia, nem quero ser assim por ninguém. Eu quero alguém que possa mergulhar nos meus olhos e não nascer neles, cada um que tenha o seu cordão umbilical com quem lhe pariu, com quem te ama muito mais do que eu jamais amarei, quem lhe deu a vida. Sim, concordo quando diz que esteja apaixonado para nunca desmerecê-la, nós devemos cultivar e valorizar quem reparte o seu cotidiano e seus abraços conosco, mas isso não significa anular-se.

É fato que odeio ouvir frases do tipo “ a gente se fala” ou eu “gosto muito de você, MAS...” Não gosto da falta de compromisso, não gosto das palavras ditas superficialmente, não gosto de promessas não cumpridas. Porém, eu não quero ser caçadora nem caça e também acho que ninguém deva se enquadrar nessas definições. Devemos estar atentos para entender a pelada depois do trabalho, ou mesmo a  sua namorada indo a prainha tomar cerveja com as amigas. Por que não? 

Pois é, continuo sendo fã de Carpinejar, mas pulo a mulher perdigueira para ficar só com sua rica poesia. E que encontremos a liberdade de amar, não aquela sem compromisso, acompanhada de um “a gente se vê por aí”, mas sim a liberdade de aceitar que as pessoas são seres individuais e não irmãos siameses. 

(Juliana Trentini)

Aperitivo poético:

 " Não basta entrelaçar as mãos,
   andamos de pés dados de noite.
   De leve, empinar o peito do pé
   na sola feminina, ensolarada,
   um outro lençol no lençol.
  Acariciar o batimento dos dedos,
  A guitarra das unhas,
  ciscar a marca das tiras,
  se aproximar
  com a melodia insegura.
  Dormir de pés dados
  é se espreguiçar para dormir
  mais. "

(Carpinejar)



quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

último ato



Aprendeu todos os poemas do poeta. Vestiu o poeta e sua máscara. Acreditou-se ser. Fez acreditarem que fossem: Palavras costuradas com verbos cabíveis e no tempo apropriado.



Músicas foram compostas, versos e melodia. Havia rima para cada nascer do sol, havia rima para cada estrela-guia. 

A tempestade se aproximou do teatro, o picadeiro se desmanchou, a maquiagem se apagou e a carne ficou extremamente exposta, sem figurino, sem cor alguma. 

A chuva secou as lágrimas derramadas sem sentido, pois no cenário havia apenas um ator banal desempenhando sua peça clichê. E por fim não ecoou nenhum Debussy. A canção não era Claire de Lune , estava mais para “É o tchan no Havaí.”

Esperando vozes que nunca vieram, o ator saiu do palco e nem sofreu pela indiferença da platéia, afinal ele era medíocre demais para entender a importância de um aplauso. 

Fim.

Aperitivo poético:

Dizes-me

Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm idéias sobre o mundo?
Sim: há diferença.
Mas não é a diferença que encontras;
Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas:
Só me obriga a ser consciente.
Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei.
Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.
Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.
Sei que a pedra é a real, e que a planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
Não sei mais nada. Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.
Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas.
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,
Como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, "é uma pedra",
Digo da planta, "é uma planta",
Digo de mim, "sou eu".
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?

Alberto Caeiro

domingo, 5 de dezembro de 2010

A carne


 










O chão aparentemente desabando, as mudanças bruscas, o inexplanável faz com que a raiz enfraqueça e o tronco e as folhas percam seu brio, porém, eis que um convite inesperado,uma roupa despojada, um batom intenso e risos transformam as mágoas e os silêncios em fantasias noturnas. Por vezes, o corpo transcende a alma. É somos humanos... Destinados à carne e às respirações impróprias; e por instantes, o pescoço desbravado assume mais relevância que qualquer sentimentalismo desperdiçado em milhas vans e horas vans.

Poesia é perdida e achada todos os dias, pelos paralelepípedos desencontrados, pela respiração da manhã invadindo o sereno, pela pele rompendo a pele, pelo desejo quebrando o desamor.

E assim segue-se o calendário, com apresentações de pancadas justas que remontam o corpo, e o sol nascendo completamente vermelho. 


(Juliana Trentini)


Aperitivo poético:


" é como um dia depois de outro dia
abrindo um salão
passas em exposição
passas sem ver teu vigia
catando a poesia
que entornas no chão"

Chico Buarque

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Eu








 
Tento fazer uma construção
Tento poetizar um soneto
Teço os dias com acordes
Melodiando uma canção

Sempre de partida
Procurando saída
Entre becos e estrofes
Entre palavra e tormento

Não me encaixo em parênteses
nem em fôrmas
sou gente que forma e sonha

estou sempre de fora de rodas e cantigas
entre as caatingas
sobrevivo como um cacto

 (Juliana Trentini)




Aperitivo poético:

Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…

Sou aquela que passa e ninguém vê…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquê…

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver 
E que nunca na vida me encontrou!

(Florbela Espanca)

domingo, 28 de novembro de 2010

Diretrizes











As razões, as mágoas, os gritos e dores direcionam todos os cânticos sonhados, pensados e cantados para o silêncio.

Não há nem choro mais, só as paredes pregam suas cruzes, as fotos remetem um desejo, morto.
Na janela fica sempre esperando ouvir alguém chamar o seu nome, mas some paisagem, desaparece tela e ela apenas se guia pelos fantasmas, pois não há vozes, não há. 

Veste-se bonita, vestido rosa rodado, cabelo com fita, o som é rock clássico, música romântica, formam-se os pares, ela fica. Sentada sozinha, olha para o palco, os músicos tocam animados pensando em seus amores, seus olhos passeiam a procurá-lo, esperando...

“Quero dançar com você, dançar com você”

Mas você não está lá, você não existe, você é melodia fantasiosa, assim como a poesia haikai  feito chuva sobre seus sonhos.

- “Você é louca”

Sim. Ela é. Todos os que sonham são. Sonhava em dançar com você até a música acabar.

Acabou.

(Juliana Trentini)

Aperitivo poético:

(...)

“Um homem que tem medo tem medo de alguma coisa em relação ao seu instinto humano, ao pensar não saberia que pensava, apenas sentiria que pensava, da mesma maneira eles, os loucos, ao saberem algo para além dos outros sentem que sabem mas por intermédio dos horrores que não podem ser ditos, por medos que não podem ser expressos.
Um homem que tem medo, tem medo de alguma coisa; um homem que deseja deseja alguma coisa, por mais obscura que seja sua compreensão do medo ou do desejo que sente. Quando aquilo que o homem receia, odeia, deseja é algo que ele pode compreender como objeto, ou como causa desses sentimentos, algo que podemos recear, odiar, desejar, não podemos dizer desse homem senão que ele receia, odeia, deseja. Mas quando aquilo que o homem receia, odeia ou deseja é algo que não podemos compreender como excitante de emoção, algo que somos incapazes de recear, odiar ou desejar, declaramos que esse homem é louco. Como isso é falacioso e falso!”
(...)
Fernando Pessoa sob o heterônimo de Alexander Search

sábado, 2 de outubro de 2010

A minha dor






 "Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor"






Dói ver pessoas caminhando de mãos dadas pelas praças do meu bairro e saber que não podemos andar juntos

Dói ir ao cinema sozinha e não ter com quem dividir a pipoca

Dói saber que nossas retas são direções opostas

Vou desfilando com minha dor, orgulhosa e triste, sem suportar os sorrisos estampados no caminho, os sorrisos que não são os seus

Mas minha dor tranforma-se em alegria toda vez que estou de partida para ir ao seu encontro, ou você está chegando para poder apagar todos os lamentos


Aperitivo poético:

A minha Dor

A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal…
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias…

A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve… ninguém vê… ninguém…

(Florbela Espanca)

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

aluna de letras













Esse semestre é o que está mais folgado, mas estou tão intimamente ligada ao meu curso como jamais estive antes. Tudo que eu faço é pensando nos possíveis questionamentos de um pesquisador.

Acho que todo mundo deveria fazer letras, o mundo seria mais feliz ou mais doido.

O fato é que minha vida é uma regra gramatical, estou sempre fazendo uma mão de obra "escrava" e sem hífen ou tendo problemas de infraestrutura em casa. Todo ser humano tem problemas estruturais em conjunto e internos, as vezes a gente quer arrancar o telhado, romper os céus, percorrer quilômetros e fazer de conta que distância não existe, porém sonhar é apenas comer algodão doce, é suave e delicado, no entanto se desmancha rapidamente e na boca só fica uma vontade de querer mais e mais, mas ai você conta as moedas soltas na bolsa e não tem nem sequer um real (todo estudante de letras é liso, pelo menos eu sou), e tem pena de quebrar a porquinha de moedas que está cheia de moedas de um real e de cinquenta centavos, pois ela é tão linda com sua sainha de fitinhas do senhor do bonfim e ainda foi presente do namorado. Você então desiste. E vai desistindo de tantos sabores ao longo do caminho. Mas sempre há um especial que deixa a escrita limpa, a letra bonita, os acentos todos nos lugares certos, a concordância perfeita e argumentação a mais convincente possível. Então não há cofrinho que resista, nem medos e você quebra as adversidades e desfruta do sabor que mais lhe agrada.

Tudo isso é pensamento de aluna de letras, você pode não pensar como eu, ou pode porque todo falante é aluno das letras, todos temos capacidades de entender todas as gramáticas e de poetizar de quando em vez. A vida não é normativa, mas é gramática.


Juliana Trentini

Aperitivo poético:

"A vida com erros de ortografia
tem mais sentido.
Ninguém ama com bons modos."

Carpinejar

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Água viva










do céu
e das fomes
correm rios e fontes

do chão
água
e nomes

dos olhos
luz e cegos
encontram
mesmo horizonte

(Juliana Trentini)

Aperitivo poético:

" Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno e asa ritimada.
E um dia sei que estarei mudo:
-mais nada."

Cecília Meireles

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Desconstrução

Hoje a postagem está marcada de uma voz pessoal, o eu está presente na intenção comunicativa ou não intenção, pois a verdade é que nem sempre quando escrevo tenho uma intenção traçada, ou talvez tenha e esta apenas se manifeste de uma maneira velada, sutil e entranhada nos sentimentos ou mesmo nos ressentimentos.

Há duas semanas começaram minhas aulas ( sou estudante de letras) e pela minha tristeza em meu penúltimo semestre não consegui encaixar nenhuma disciplina de literatura, isso me frustrou e não me faz ter tanto ânimo de ir para a faculdade. Estou matricula em uma disciplina (só porque é obrigatória) chamada linguística românica, é bem verdade que não consigo gostar e nem sentir prazer assistindo as aulas, diferentemente do que acontece quando estudo literatura, porém devo admitir que as aulas passaram a ter uma importância nos meus dias, volta e meia me pego prestando atenção na fonética, comparando as formas de locução dos falantes que encontro. E estamos estudando as mudanças que aconteceram ao longo do tempo com as expressões dos falantes das línguas românicas, o que não nos limita apenas a pensar nas mudanças ocorridas em um conceito filológico, no entanto acabamos por observar as transformações diárias e principalmente naquelas que afetam a nós mesmos.

Com isso, fui pensando em toda espécie de minúcia e nas transformações corriqueiras, na construção e desconstrução dos moldes que criamos todos os dias. Para por fim a essa ladainha, minhas  “mudanças” em “versos” :

despediu-se das paredes
brancas
vela solitária
mar silencioso e verde
 areia não enxergada
 pés jamais descalços

encerrou contrato
não estava mais disposta a alugar por temporada
economiza todos os verbos que virão
 excedeu os que possuía


agora tudo é fresta do passado
e as paredes exalam um tom juvenil
rosa
rosa
rosa

prateleira de anjos
única paz ilustrada
o mundo de trás lhe devora
a vida não é
rosa
rosa
rosa

(Juliana Trentini)


   Aperitivo poético:
   “Sobre um mar de rosas que arde”

Sobre um mar de rosas que arde
Em ondas fulvas, distante,
Erram meus olhos, diamante,
Como as naus dentro da tarde.

Asas no azul, melodias,
E as horas são velas fluidas
Da nau em que, oh! alma, descuidas
das esperanças tardias.

Pedro Kilkerry

domingo, 1 de agosto de 2010

Abandono












As palavras me abandoram
o desgosto esqueceu de me desgostar
e fico entre o almoço e o jantar
fazendo rimas baratas
como se fossem
letra de música para ser tocada na próxima estação.


A verdade é que estacionei
não há vagas nem passagem para ser vendida
pego a viela escura
debaixo da meia luz de um único poste.
Os sonhos meus únicos vizinhos
e o medo vem comigo de mãos dadas
sussurrando declarações sem fim
deixando bilhetinhos em cada vão escuro da calçada

Então eu corro demais, corro demais...

só pra lhe ver meu bem, mas você não está.
Abro a porta da casa ligeiro como quem rouba, não há perigo,
a única sombra é a minha, até o medo me deixou sozinha


Juliana Trentini


Aperitivo:

Quem chega ao seu extremo
não disfarça.
Desvio os olhos,
nunca a respiração.

A queda é uma árvore que volta.

Carpinejar

segunda-feira, 7 de junho de 2010

um diário desfolhando como uma árvore no outono













a chuva é lembrança
quero amanhecer temporal
e estiar nossas roupas no varal
secando o universo com as águas

na janela os desenhos se formam com o vento
folhas e lamentos
tatuo nos dedos as palavras
umedeço o papel com farsas
ignoro a fome
sempre aos domingos não encontro traduções
nem sabores

fecho a cortina dos versos
espero a segunda-feira
a rotina fermenta a necessidade
de se manter a agenda em dia
e as datas da esperança previamente marcadas
em um diário.

(Juliana Trentini)


Aperitivo poético

Temporal

(...)

o tempo não tem explicação:
corrói e transfigura, expande
ou empobrece, conforme a escolha
de cada um.

(Eu, com medo e susto,
escolho a multiplicação.)

Lya Luft

segunda-feira, 31 de maio de 2010

velha barca














Observa o barco partindo
Cortando sangue
Rompendo chão
Dividindo águas

Há uma nudez
Não parte
O silêncio
Morada dos olhos

Os não dizeres
São vigas não verbalizadas
Sustentando o caz
Aparando as mágoas

(Juliana Trentini)

Aperitivo poético:

UM SOM (DOS SONS)

A dureza distante do mar, no ouvido 
- oiço-a, a boca [anula a voz,

o sentimento. Silente, encerro-me: onda que invade
por um nervo, eco de um som (dos sons).
Ou o mar me, involuntária, submergisse.


(Fiama Hasse Pais Brandão)

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Abstrato e concreto
















            lúdico
intemperança de ideias
fome de descompassos
passos reticentes
valsa sambada

imagem abstrata
surreal
imperfeição persistente
transcende
pele e paisagem

curvas sinuosas
mundo
linha reta é obstáculo
a concretude permeia
simbologia dos fatos

           Juliana Trentini

Aperitivo poético:
"E tudo que se sente directamente traz palavras suas"

(Alberto Caeiro)

domingo, 25 de abril de 2010

doador de versos



iluminação natural dos céus
as cores rompem os pensamentos
e a madrugada

doa versos e licores
ao mundo
aos homens
subterfúgios

 esconde-se
em seu próprio labirinto
conhecendo bem a passagem
os tortuosos caminhos
vê a porta, mas não abre

as claves sustentam
o impoluto guardado
nos imagéticos sonhos

Juliana Trentini



Aperitivo poético:


As rodas rangem na curva dos trilhos
Inexoravelmente.
Mas eu salvei do meu naufrágio
Os elementos mais cotidianos.
O meu quarto resume o passado em todas as casas que habitei.

Dentro da noite
No cerne duro da cidade
Me sinto protegido.
Do jardim do convento
Vem o pio da coruja.
Doce como um arrulho de pomba.
Sei que amanhã quando acordar
Ouvirei o martelo do ferreiro
Bater corajoso o seu cântico de certezas.


(Manuel Bandeira)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Fome




saudades das palavras
valsando as horas
adormecendo os verbos
impossibilitados de acalentar o ser

sem descobrir qual o personagem principal
descobre-se
desbravamento interrompido
percalços do caminho

o despertador chama:
É hora do almoço!
o pensamento alheio
invasivo e covarde
acena!

o arroz tem cheiro de erva doce
e de abandono
alimenta-se
a fome tem outro nome


Juliana Trentini


Aperitivo poético:

Eu me consumi
antes de ter nascido.
Não ter mistérios
é o maior deles.


Carpinejar

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Árvore







a poesia sobre poesia disse:
Existem olhos cúmplices e distantes
preparam o peixe juntos
não há submissão

a poesia sobre a poesia disse:
Não há explicação nas palavras
só a vontade adormece o delírio onírico

e a física sobre a física disse:
É impossível não pensar o óbvio
o corpo dança os ritmos dos galhos
jazz samba coco blues 
e está formada a árvore

bebem a seiva dos quilômetros existentes
desfeitos nas construções lexicais
raiz se faz colheita 

(Juliana Trentini)




Aperitivo poético:

Casamento

Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinho na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.


O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.


(Adélia Prado)

terça-feira, 13 de abril de 2010

Solo




a guitarra arranha seu solo
notas da claridade invasiva da manhã
observa as cores quentes
enverniza a imagem
seguindo solidão sossegada

o ar e os tetos reprimem seus afetos


(Juliana Trentini)



Aperitivo poético:

O ar os tectos

Aqui o inverno mata as profissões que têm acesso
                                                                 [ao ar,
a dos que andam por fora
por ruas e por roupas, com as vias da respiração
opressas
porque estão a erguer casas de telha vã e pastoreiam
só animais que restam impolutos
das ribeiras cheias
de temporais e frutos
que nas águas tristes se despenham.

Como repetido é sempre o inverno,
com a chacina de animais,
com os ventos iguais que nos descoram,
as cornijas nas ruas devorando
os temporais
e nós, sem profissões libertas, também
a erguer os corpos
opressos pelos tectos.


Fiama Hasse Pais Brandão

sábado, 10 de abril de 2010

Águas de março de abril


















nem foi preciso regar as plantas
as águas de março presentearam abril

a casa toda cheira a jasmim
o branco da infância

busco pincéis

as ausências são muito claras
escolho o lilás enfeitando a distância

abro a cortina e a cidade responde:
entre muros e luzes
está o chão

(Juliana Trentini)


Aperitivo poético:


PRIMEIRO POEMA DE ABRIL
VEM VINDO O ABRIL TÃO BELO EM SUA BARCA DE OURO!
UM COPO DE CRISTAL INVENTA AS CORES TODAS DO ARCO-ÍRIS.
EU PROCURO
AS MOEDINHAS DE LUZ PERDIDAS NA GRAMA DOS TEUS
                                    [OLHOS VERDES,
E ATÉ ONDE, ME DIZ,
ATÉ ONDE IRÁ DAR ESSA VEIAZINHA AQUI?
(ABRIL É BOM PARA ESTUDAR CORPOGRAFIA!)
Mario Quintana

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O tempo























   o tempo inseguro
  divisor das águas
  deixa-nos à deriva
  alimentando as mágoas


 o tempo seguro
 memória do silêncio
 o tempo solicito
 se encarrega em ser abrigo

 (Juliana Trentini)




Aperitivo poético:

Perder, ganhar

Com as perdas só há um jeito:
perdê-las.
Com os ganhos,
o proveito é saborear cada um
como uma fruta boa da estação.

A vida, como um pensamento,
corre à frente dos relógios.
O ritmo das águas indica o roteiro
e me oferece um papel:
abrir o coração como uma vela
ao vento, ou pagar sempre a conta vencida.

Lya Luft

difícil caminho



paira alguma coisa sobre ela
uma espécie de infelicidade

será uma enfermidade?

Um infortúnio.

Amor infecundo.




Aperitivo poético:

"Em todas as histórias e romances que eu pudesse ter lido,
que eu pudesse ter ouvido,
a trajetória de um amor verdadeiro
nunca transcorreu em caminhos suaves"

 (Shakespeare)

Sonho de uma noite de verão
Lisandro, ato 1, cena 1.

domingo, 28 de março de 2010

Lançamento de Livro




Lançamento do livro "Espelho Quebrado" do autor Lima Neto acontecerá no dia 7 de abril, na livraria Siciliano do Midway Mall, à partir das 19 horas.






Lima Neto, em seu romance de estréia, desnuda a alma humana como nenhum outro escritor jamais fez através de suas dores. A carga emocional que o autor dá a essa obra tocará fundo na alma do leitor, levando-o a relembrar momentos de sua vida, como sua infância e adolescência. Momentos em que vivenciará a dor pela perda e pelas mudanças em nossas vidas, os conflitos dos sentimentos fortes e intensos na adolescência e a realização na fase adulta, assim como os medos, sempre tão presentes em cada momento de nossas vidas. 

Espelho Quebrado resgata sentimentos e lembranças esquecidas, que jazem nas profundezas de nossas almas, mas que continuam vivas, que pulsam junto com as batidas de nossos corações.
Livro que fala não só dos sentimentos de dor e medo, mas também do sentimento que move nossas vidas: o amor. Sua história é forte, intensa e marcante, que envolverá o leitor desde as suas primeiras páginas.




sábado, 27 de fevereiro de 2010

Brechas





















Abri a janela com medo de a chuva entrar
e molhar os meus livros, alagando os meus pensamentos.
Mas a única coisa que invadiu o meu quarto foi a lua
e você.

As águas não vieram abrandar o calor
o medo se encarregou de serenar os poros

um olhar tímido
uma janela aberta
e tantas outras se fechando para o passado.

(Juliana Trentini)


Aperitivo poético:


"A loucura exige
disciplina
para não ser vista." 


"Deixa-me pensar o corpo, deixa o corpo me pensar"

(Carpinejar)



sábado, 20 de fevereiro de 2010

Ausência

Dizem:

“o que os olhos não veem o coração não sente”

Mentira.

Eu não te vejo. Essa distância é um abismo abrigado nos tecidos que escondem meu corpo da nudez.

E mesmo que eu seja despida, uma semente do vazio se instalará em algum espaço.

O problema é que seu silêncio é solo fértil em minha pele e a sua ausência mora nos meus olhos.



Aperitivo poético:

Ausência

Olhei os pés apressados
Mochila nas costas
Barba mal feita
E nos fios de cabelo:
Os sonhos

Para cada passo:
Uma distância.


Para cada decisão:
Uma escolha.
O amor abandonado
E o futuro ganhando quilometragem


Para quem fica:
Ausência.

Para quem foi:
Ausência.

(Juliana Trentini)


Ausência

(...)

Eu ficarei só
como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém
porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar,
do vento, do céu, das aves, das estrelas
Serão a tua voz presente,
a tua voz ausente,
a tua voz serenizada.

Vinícius de Moraes

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Dança comigo?




Ela nunca soube fazer os dias seguirem lentos, nunca soube dançar devagar e observar a respiração do outro. Sempre acelerada atropelando o tempo, bailando sozinha uma canção descompassada.

Hoje sente medo por ouvir veementemente o silêncio e segura a sua mão com medo e vontade, encosta-o sobre seu corpo e procura entender em pausas mudas o que é felicidade.

                   (Juliana Trentini)


 
Aperitivo musicado:

"Às vezes eu quero chorar
Mas o dia nasce e eu esqueço
Meus olhos se escondem
Onde explodem paixões...

E tudo que eu posso te dar
É solidão com vista pro mar
Ou outra coisa prá lembrar...

Às vezes eu quero demais
E eu nunca sei
Se eu mereço
Os quartos escuros
Pulsam!

E pedem por nós...
E tudo que eu posso te dar
É solidão com vista pro mar

Ou outra coisa prá lembrar
Se você quiser
Eu posso tentar
Mas...

Eu não sei dançar
Tão devagar
Prá te acompanhar... "




domingo, 24 de janeiro de 2010

Estado




Hoje estou invisível como o fim do mundo
e se o fim do mundo existe realmente
ele é um oceano cheio de vida e de vindas
que vai-se sobre ondas embriagadas
as ondas arrebentam-se
na parede do meu edifício
o invisível mora em mim

(Juliana Trentini)



Aperitivo poético:

Nasci vingativo,
negando
o que deveria perdoar,

omintindo
o que deveria mencionar,
exagerando para soar falso

o que de verdade sinto.
Falsifiquei-me para que fosses
próximo do real.

Ao escapar de tua figura
me tornei igual.
Tudo está perdido, então.

tudo é necessário
sou a barca que fica
afiando as águas

(Carpinejar)