terça-feira, 23 de junho de 2009

Casamento





o mar estava na concha
e de tanto pentear ondas sonoras
tornou-se tabuleiro de búzios
tentou ler o destino numa bacia com água
e cera de vela derretida
simpatia de véspera de Santo Antônio
... ... ... ... ... ... ... ...

teve medo de casar
queria sempre namorar:
os peixes e a espuma
noivar com o sol
mas a letra da bacia era um C
casou-se com a concha.
E não ouviu o vácuo
virou mosaico de mar
personificou os cílios
e fez par com olhos cor de areia
e sabor de infinito.


(Juliana Trentini)

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Brancura

hoje
acordou mudo
cheio de pausas e parênteses
papel em branco
são tantas as reticências
é tanto o silêncio
é tanto.

(Juliana Trentini)

terça-feira, 9 de junho de 2009

Diálogo

Pai e filha. Uma barreira, um mundo, um carnaval, uma lacuna, um abismo entre eles e muito afeto. O sol nascia, ele a acordava para fazer alongamentos na praia com a ilusão de que a faria ultrapassar aquele tamanho de fita métrica que possuía, ilusão.

Nenhum centímetro a mais e os passeios matinais personificados de pássaros foram logo sendo substituidos pelas novidades que a noite trazia , os sabores notívagos sempre mais sedutores do que a luz invasora da manhã, do que o amor paterno e visceral.

Poucas palavras, o silêncio sempre propagou os versos inaudíveis e insolúveis, versos de poesia cálidos e pausados estão contidos em uma garrafa de medos e de preocupação que ele bebia por ela, como um conta-gotas.

Um pranto, uma rouxidão imensa, imersa na falta da utilização do logos. Uma frase em pensamento: “- eu queria tanto dizer eu te amo”, mas não disse, já era tarde, pensou ela. Mas não era. Ele soube romper a introspecção da não palavra e levou consigo a imagem e o sentimento do ser latente que proliferava infinitos no cintilar dos cílios.



(Juliana Trentini)

terça-feira, 2 de junho de 2009

Para não dizer que não falei de flores















Violeta- Florbela Espanca e a simbologia das cores


É perceptível a ligação da poesia de Florbela Espanca com a representatividade das cores. Em especial a cor roxa, que se faz muito presente em seus versos. As cores estão muito ligadas ao nosso estado de espírito e a autora do Livro de Mágoas não desassociava a poeta do eu lírico, havia uma fusão, uma mistura. E por ser mistura, sua cor também é, o violeta, resultado do vermelho com o azul. O azul é a cor do céu e das águas, da verdade, da intuição, do inconsciente, da expansão, da serenidade, da sinceridade, do poder no plano mental e da realização espiritual. Simboliza ainda a primavera e a renovação. E o vermelho representa o fogo, o calor, a nobreza, a impulsividade, as paixões, a sexualidade, a ação, a conquista, o movimento e a atividade. É a cor do sangue, conota energia e vitalidade. Mas o roxo, reunindo tantos contrastes, resultada em uma sensação de tristeza. E é essa tristeza que nós respiramos ao lermos os poemas de Florbela.


No estudo crítico de José Régio a respeito da poética de Florbela Espanca, ele diz que a sua poesia é dos nossos mais flagrantes exemplos de poesia viva. E essa vitalidade revela-se nos sentidos, sentidos estes que visualmente capturamos com a excelência das cores, com os sons inebriantemente melancólicos que se desprendem dos versos, com o sabor amargo dos amores mal sucedidos, com o tato das paixões efêmeras e com o cheiro da morte que se aproximava pelo clamor das palavras de um ser que sofria.

Disse no poema Tortura:

Tirar dentro do peito a Emoção,
A lúcida Verdade, o Sentimento!
---E ser, depois de vir do coração,
Um punhado de cinza esparso ao vento!... (...)


Nessa primeira estrofe do soneto Tortura, podemos observar características simbolistas no uso das reticências. Há também a presença das exclamações no final do segundo e do quarto verso. Usou como recurso colocar em letra maiúscula as palavras “emoção”, “verdade” e “sentimento” com o intuito de chamar a atenção do leitor para a significância dessas palavras no contexto poético dos seus versos. Em relação ao poema, o cinza deixa transparecer uma dolorosa relação com o vazio.
No poema A minha Dor, abaixo transcrito, vemos transbordar os sentidos em um sentimentalismo doloroso e essencialmente feminino.


A minha Dor
A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.

Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas, no correr dos dias...

A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!

Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...

A palavra “dor”, claramente expressa, intensifica o sentimento de desolação presente no poema Tortura, aparecendo com o intuito de chamar atenção para a palavra, ressaltando seu sentido, exacerbando a dor. O poema é povoado de imagens e sons, mais uma vez provocando os sentidos de quem o lê. A melancolia, a insatisfação, a tristeza- que é roxa- está sempre presente, representada pelo lírio. A beleza está acompanhada de martírios, de uma solidão, de um chamado que ecoa ausente.


E a poesia de Florbela Espanca tange uma insaciável busca pelo amor, sonetos impecavelmente fortes e dramáticos. Uma tristeza infinita que termina com a chegada precoce de sua morte. Mas a autora só morre no plano físico, no entanto seu nome permanece junto com a sua melancolia e palavras carregadas de um desejo de amar, desejo que fez seu coração declarar falência, desejo esse que nos faz seguir uma aquarela de cores sombrias repletas de saudade, saudade de um sentimento que não pôde ser vivido.




Esse foi o trabalhou que me rendeu um dez e outras cositas mais, agradecimentos especiais ao Professor Dr. Márcio de Lima Dantas que me apresentou as cores da autora do Livro de mágoas e que tanto me ensina, ao amigo Henrique que me deu uma boa idéia para o trabalho, a minha mãe que fez a correção ortográfica e a Florbela que é o fermento de tudo isso.


Meu aperitivo:

Lilás

Só eu gosto do silêncio
É tão música quanto à ressonância de uma harpa
Como solos de guitarra corta feito faca
Incomoda feito farpa presa ao dedo

Denso como o medo
Invisível é vento
Palpável feito areia
Da ausência me alimento
Sou alma que floreia

Ficar só é livre arbítrio
Se me desmorono ou edifico
Já não importa, enraízo feito visco ou figo

Sou pássaro que repousa verde
Faço o ninho e me alinho
O mundo é o moinho retirado do cartola

Dor de filha sangra e chora
Um dia o pai parte
E já será tarde
Será tarde
chuvosa


(Juliana Trentini)