terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Crítica literária




Férias chegando e enfim posso me dar ao luxo de escolher minhas leituras. Já estava farta de ler resenhas e resumos sobre o ato de resenhar ou estudar a história das línguas românicas. Enfim...coisas da faculdade, não nego a importância das mesmas para a minha formação acadêmica, porém dizer que é uma leitura prazerosa, isso já é hipocrisia.

Comecei a ler "Mulher Perdigueira" de Fabrício Carpinejar, presente que ganhei dos meus amigos e grandes leitores (Sil e Dolfo). Fiquei maravilhada por ganhar um livro autografado e por ele chegar assim de surpresa na portaria do meu prédio; é muito bom ser lembrada, e mais, lembrarem do que a gente realmente gosta. A paixão por Carpinejar  (obra) começou quando minha mãe apresentou-me o livro "Como no céu" e ele me fez realmente alcançar o céu das palavras e compreender o chão, os elementos e as sensações e ainda mais encantada fiquei porque nesse mesmo livro existe um outro, como se fosse outra parte, ótimo  para quem gosta de dar uma espiadinha de trás pra frente do livro, intitulando-se o segundo (?) "Livro de Visitas". E foi como quem entra pela porta dos fundos e vai direto para a cozinha tomar café e comer bolo, eu me senti em casa, abrigada em um ninho repleto de metáforas e comparações sensíveis e táteis. 

Com o último livro tive certo preconceito. Por que cargas d’água mulher PERDIGUEIRA? Quer dizer que as mulheres são cadelas boas para a caça? Quando li a crônica que nomeia o livro, meu preconceito diminuiu parcialmente, pois em sua crônica ele diz gostar das mulheres contraditórias, das que ninguém quer, essas ele quer. Daquelas que fazem escândalo nas brigas e que cercam seu companheiro o tempo inteiro. Em seu texto diz: “Não me interessa um tempo comigo quando posso dividir com alguém. Quero uma mulher que esqueça o nome do seu pai e de sua mãe para nascer em meus olhos. Em todo momento. A toda hora. Incansavelmente. E que eu esteja apaixonado para nunca desmerecê-la, que esteja apaixonado para não diminuí-la aos amigos.”

Pois eu não quero ser uma mulher perdigueira, interessa-me um tempo comigo, eu preciso me amar para poder amar os outros, eu preciso me conhecer para conhecer os outros. E eu quero alguém que saiba compreender o vazio, que me ame na presença, mas na ausência também, o espírito tem que ser maior do que a carne. Não quero alguém que esqueça os amigos para me viver 24 horas por dia, nem quero ser assim por ninguém. Eu quero alguém que possa mergulhar nos meus olhos e não nascer neles, cada um que tenha o seu cordão umbilical com quem lhe pariu, com quem te ama muito mais do que eu jamais amarei, quem lhe deu a vida. Sim, concordo quando diz que esteja apaixonado para nunca desmerecê-la, nós devemos cultivar e valorizar quem reparte o seu cotidiano e seus abraços conosco, mas isso não significa anular-se.

É fato que odeio ouvir frases do tipo “ a gente se fala” ou eu “gosto muito de você, MAS...” Não gosto da falta de compromisso, não gosto das palavras ditas superficialmente, não gosto de promessas não cumpridas. Porém, eu não quero ser caçadora nem caça e também acho que ninguém deva se enquadrar nessas definições. Devemos estar atentos para entender a pelada depois do trabalho, ou mesmo a  sua namorada indo a prainha tomar cerveja com as amigas. Por que não? 

Pois é, continuo sendo fã de Carpinejar, mas pulo a mulher perdigueira para ficar só com sua rica poesia. E que encontremos a liberdade de amar, não aquela sem compromisso, acompanhada de um “a gente se vê por aí”, mas sim a liberdade de aceitar que as pessoas são seres individuais e não irmãos siameses. 

(Juliana Trentini)

Aperitivo poético:

 " Não basta entrelaçar as mãos,
   andamos de pés dados de noite.
   De leve, empinar o peito do pé
   na sola feminina, ensolarada,
   um outro lençol no lençol.
  Acariciar o batimento dos dedos,
  A guitarra das unhas,
  ciscar a marca das tiras,
  se aproximar
  com a melodia insegura.
  Dormir de pés dados
  é se espreguiçar para dormir
  mais. "

(Carpinejar)



quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

último ato



Aprendeu todos os poemas do poeta. Vestiu o poeta e sua máscara. Acreditou-se ser. Fez acreditarem que fossem: Palavras costuradas com verbos cabíveis e no tempo apropriado.



Músicas foram compostas, versos e melodia. Havia rima para cada nascer do sol, havia rima para cada estrela-guia. 

A tempestade se aproximou do teatro, o picadeiro se desmanchou, a maquiagem se apagou e a carne ficou extremamente exposta, sem figurino, sem cor alguma. 

A chuva secou as lágrimas derramadas sem sentido, pois no cenário havia apenas um ator banal desempenhando sua peça clichê. E por fim não ecoou nenhum Debussy. A canção não era Claire de Lune , estava mais para “É o tchan no Havaí.”

Esperando vozes que nunca vieram, o ator saiu do palco e nem sofreu pela indiferença da platéia, afinal ele era medíocre demais para entender a importância de um aplauso. 

Fim.

Aperitivo poético:

Dizes-me

Dizes-me: tu és mais alguma cousa
Que uma pedra ou uma planta.
Dizes-me: sentes, pensas e sabes
Que pensas e sentes.
Então as pedras escrevem versos?
Então as plantas têm idéias sobre o mundo?
Sim: há diferença.
Mas não é a diferença que encontras;
Porque o ter consciência não me obriga a ter teorias sobre as cousas:
Só me obriga a ser consciente.
Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei.
Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos.
Ter consciência é mais que ter cor?
Pode ser e pode não ser.
Sei que é diferente apenas.
Ninguém pode provar que é mais que só diferente.
Sei que a pedra é a real, e que a planta existe.
Sei isto porque elas existem.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram.
Sei que sou real também.
Sei isto porque os meus sentidos mo mostram,
Embora com menos clareza que me mostram a pedra e a planta.
Não sei mais nada. Sim, escrevo versos, e a pedra não escreve versos.
Sim, faço idéias sobre o mundo, e a planta nenhumas.
Mas é que as pedras não são poetas, são pedras;
E as plantas são plantas só, e não pensadores.
Tanto posso dizer que sou superior a elas por isto,
Como que sou inferior.
Mas não digo isso: digo da pedra, "é uma pedra",
Digo da planta, "é uma planta",
Digo de mim, "sou eu".
E não digo mais nada. Que mais há a dizer?

Alberto Caeiro

domingo, 5 de dezembro de 2010

A carne


 










O chão aparentemente desabando, as mudanças bruscas, o inexplanável faz com que a raiz enfraqueça e o tronco e as folhas percam seu brio, porém, eis que um convite inesperado,uma roupa despojada, um batom intenso e risos transformam as mágoas e os silêncios em fantasias noturnas. Por vezes, o corpo transcende a alma. É somos humanos... Destinados à carne e às respirações impróprias; e por instantes, o pescoço desbravado assume mais relevância que qualquer sentimentalismo desperdiçado em milhas vans e horas vans.

Poesia é perdida e achada todos os dias, pelos paralelepípedos desencontrados, pela respiração da manhã invadindo o sereno, pela pele rompendo a pele, pelo desejo quebrando o desamor.

E assim segue-se o calendário, com apresentações de pancadas justas que remontam o corpo, e o sol nascendo completamente vermelho. 


(Juliana Trentini)


Aperitivo poético:


" é como um dia depois de outro dia
abrindo um salão
passas em exposição
passas sem ver teu vigia
catando a poesia
que entornas no chão"

Chico Buarque

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Eu








 
Tento fazer uma construção
Tento poetizar um soneto
Teço os dias com acordes
Melodiando uma canção

Sempre de partida
Procurando saída
Entre becos e estrofes
Entre palavra e tormento

Não me encaixo em parênteses
nem em fôrmas
sou gente que forma e sonha

estou sempre de fora de rodas e cantigas
entre as caatingas
sobrevivo como um cacto

 (Juliana Trentini)




Aperitivo poético:

Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…

Sou aquela que passa e ninguém vê…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquê…

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver 
E que nunca na vida me encontrou!

(Florbela Espanca)