domingo, 3 de abril de 2011

Quem canta seus males espanta!!!

O texto abaixo foi escrito pela minha mãe, poeta e professora Anchella Monte. Achei completamente pertinente colocá-lo aqui no blog, pois fala de música brasileira, de poesia, de alma e de sensibilidade, temas que são sempre recorrentes nesse espaço ligeiramente cor-de-rosa assim como a vida que oscila entre cores e suas ausências, entre silêncios e sons.




Dolores e Antônio

Um amigo poeta comentou da falta de “ressonância” após a publicação de um livro, aqui em nossa cidade. Parece que o livro só existe na ocasião do lançamento, quando muitos já se põem a ler ao aguardar o autógrafo. Depois, mesmo os amigos, pouco ou nada comentam sobre a obra, provocando no autor uma certa sensação de incompletude. E então? E então? Esse “e então?” permanece na alma de quem se expôs, de quem se entregou através do escrito. O mesmo vale para outras manifestações artísticas, para quem se doou...
Como Cláudia Magalhães e Isaque Galvão. Belo espetáculo encenado primeiramente no Teatro Alberto Maranhão e no sábado último na Casa da Ribeira. “Dolores” leva ao palco duas figuras fortes e apaixonadas, Dolores Duran e Antônio Maria. E Dolores é Cláudia, Isaque é Antônio, mas também, diante das dores e paixões que ambos manifestam através da vida, um se torna o outro, como acontece no palco, quando as músicas de Dolores são interpretadas por ele e os textos sofridos, mesmo desesperados, do cronista ganham força na voz dramática de Cláudia. 
A união no palco das duas trajetórias não é nova. Com o título de “Brasileiro, profissão esperança”, em 1968  Paulo Pontes criou um musical, depois dirigido por Bibi Ferreira, o qual tornou Maria Betânia e Raul Cortez os amigos Dolores e Antônio Maria, estes que faziam da vida suas canções. Mas nem por isso (e talvez até por isso mesmo, pelo resgate, pela valorização da criação do outro) o nosso musical perde a sua majestade. A voz de Isaque, poderosa (faz lembrar a de Caubi, este ícone) e a expressão de Cláudia, cujas lágrimas não me pareceram de atriz, tal a emoção que transmitia, tornam o espetáculo autêntico e significativo. 

E também, se pensam alguns, não está destinado aos românticos.  Tenho grande admiração por Dolores Duran, desde sempre. Não sei em que momento ainda da infância, fiquei com “é de manhã vem o sol/ mais os pingos da chuva que ontem caiu/ ainda estão a brilhar/ ainda estão a dançar/ ao vento alegre/ que me traz esta canção” ecoando em mim como um símbolo de beleza e alegria. Acreditava então, e hoje, que sol, música, vento e dança fazem a alma colocar-se em estado de satisfação, algo como sentir a vida plena. A canção de Dolores, em parceria com Tom Jobim, permitia-me sentir essa plenitude.  Mas, voltando ao romantismo, pessoas que, como eu, não têm o amor como leitmotiv para o seu processo criativo, e, principalmente, como aspiração existencial, no entanto percebem com clareza a dimensão das emoções para impulsionar a vida, amam a Dolores compositora, amam a intérprete que põe lágrimas na voz. Como afirma Paulo César Pinheiro, em Mordaça: “o importante é que nossa emoção sobreviva.”
Cláudia e Isaque trouxeram ao palco a emoção. Mais a dor do que a alegria, mas a beleza. A beleza no branco dos trajes da época, na simplicidade simbólica dos tamboretes, da caixa vermelha que ocultava letras de música e fotos, o copo à disposição, as pétalas vermelhas como chuva, como chão, a máquina de escrever que se converte em instrumento musical ao acompanhar a voz de Cláudia. E a troca. E o toque. Se é Cláudia/Dolores quem se abraça à caixa vermelha das lembranças, Isaque/Antônio a encontra e desvenda-lhe os segredos, a  bebida que apaziguava, por momentos, tanta ânsia, é a mesma para ambos, como o copo que a representa. E sobre os tamboretes, tão próximos aos bares e à vida noturna, o precário equilíbrio. Em pé sobre um deles, cantando, Isaque é frágil, como era Antônio em sua solidão, mesmo rodeado de amigos. Não é possível ampará-lo, e a ela, pois estão no palco, colocaram-se à disposição da vida. Sentados lado a lado, nos tamboretes, cantam para nós, cantam por nós.

Por nós que precisamos da arte para sacudir a poeira dos nossos recantos interiores, obrigando-nos a abrir janelas, a visualizar novos caminhos. A aplaudir, com entusiasmo, quem chora e canta as histórias de dois, ou de mil.


                                                           Anchella Monte, poeta/professora

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