A horta de Maria e o caminho das violetas
Sobre Minha Senhora De Mim e Livro de Mágoas
A poesia colhida dos versos de Maria Teresa Horta é uma poesia mais liberta tanto no que diz respeito à forma quanto no plano do conteúdo. A poeta revoluciona o caminho trilhado pelas mulheres ao romper com a opressão machista, retratando em seus poemas a sensualidade presente no universo feminino. O erotismo passa a se apresentar sem amarras, não há medo de expor os desejos da mulher que por muitos anos foi tolhida, impelida de mostrar que também é habitada por anseios carnais. Há perceptivelmente um tom autobiográfico no livro Minha Senhora De Mim, observável na utilização acentuada da primeira pessoa, percebe-se ainda uma personalidade poética que se governa, que comanda o seu caminho, suas vontades e até mesmo os seus lamentos, estes conformados, exprimindo a necessidade de seguir adiante, mesmo quando a tristeza acomete.
Fazendo um paralelo com Florbela Espanca, temos então duas poetas (ou poetisas) portuguesas que abriram o caminho para a participação feminina de uma maneira geral, pois desobedeceram regras sociais que ditavam o comportamento das mulheres, lutaram por suas vontades, ideias e desejos. Mas em Florbela, o amor é um sentimento que se revela mais opressivo, doloroso, e o erotismo é pouco evidente; suas poesias são carregadas de um tom autobiográfico, a primeira pessoa está presente em quase todos os sonetos. O caminho das violetas mostrou-se em um livro cheio de mágoas e medos, medos estes que fizeram Florbela não suportar o desamor e ceder à tentação da morte, precocemente.
Em matéria de poesia o livro Minha Senhora De Mim, de Maria Teresa, é um grande marco na poesia contemporânea feminina. Maria João Reynaud in Vozes e Olhares no Feminino diz: “ Nesta obra poética, marcada por uma invulgar coerência, espelha-se uma concepção de poesia profundamente intimista e feminina, alimentada pela crença no amor único e recíproco, como uma forma absoluta de negar a violência da morte e a inconstância dos afetos humanos.” E é essa linha intimista que acompanharemos em versos:
Minha senhora de mim
* O título apresenta dois pronomes, o “minha” e o “mim”, passando a ideia de posse de controle de si mesma:
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
* Nessa primeira estrofe mostra a imposição de suas vontades, briga interiormente com os moldes da senhora que costuma se apresentar perante a sociedade e se desentende com ela mesma para desobedecer às regras impostas.
sem ser dor ou ser cansaço
nem o corpo que disfarço
* Os dísticos estão em lugar de contraponto, exprimindo uma imagem forjada.
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
* Mostra o ponto de vista feminino e feminista.
(...)
Comigo me desavim
minha senhora
de mim
* Exibe o estereótipo de mulher da época e se opõe como se dissesse: “eu quero ser dona de mim!”.
recusando o que é desfeito
no interior do meu peito
* Mais uma vez os dísticos aparecem em contraponto, formando uma tensão estética em que relata o desejo de se recusar as imposições, ser livre, ser senhora de si.
Já no intimismo de Florbela, percebemos uma entrega. Entrega diante das impossibilidades, uma tristeza infinita, um desgosto imenso, uma amargura, no entanto, não há nenhum movimento, nenhuma ação, sucumbe na incompreensão dos percalços da vida.
Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
(...)
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!
O eu lírico não consegue reagir, desnorteia-se, não encontra saídas nem caminho para seguir por não ter sido encontrada por seu amor. Diferentemente da poesia de Minha senhora de mim, que se governa, que rejeita as imposições. A poesia de Florbela exprime um leque de amores que viveu, mas sem achar aquele com o qual sonhava; já em Maria Teresa, vivenciamos algo realizado, ressaltando o pulsar sexual que também se faz presente na alma feminina. No poema Ponto de Honra:
Não sou escrava
de lamento
nem tento ferida
de enfeite
nem uso a raiva
que tenho
como um alfange
no peito
(...)
e não quero aneis
de aceite
para enfeitar os meus olhos
O título já começa por afirmar que o eu lírico não abre mão de suas vontades; na primeira estrofe diz que não usa o sofrimento para chamar atenção, para se fazer de vítima e em seguida que também não há de utilizar a raiva como arma, como faca para destruir os outros, não utiliza sentimentos negativos para passar melhor e por fim diz que não quer enfeitar o rosto de olheiras para se mostrar mais sofrida do que outros, não. Sua honra está em superar a tristeza, a dor e não de utilizá-las em nome de uma estética de martírio.
No Livro de Mágoas, a poesia A Minha Dor vem ilustrar o sofrimento de maneira bem diferente da poesia Ponto de honra do livro Minha Senhora de Mim:
A minha Dor é um convento ideal
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
(...)
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve ... ninguém vê ... ninguém ...
É uma dor opressiva, que consome, que corta feito alfange no peito, embora o eu lírico não tenha o intuito de se fazer de vítima, é consumido e desmanchado pela solidão, pelos tons sombrios, pela elegância de se massacrar um ser e mantê-lo enclausurado, preso em silêncio, tal qual um convento, onde o pranto, o tormento, a melancolia ilustram a cena, mas ninguém percebe, ninguém reconhece, ninguém vê.
Do pouco que ilustramos aqui, podemos perceber que ambas as poetas falam do sentimento feminino e do amor, porém uma segue uma linha depressiva e a outra libertária. Uma poesia de morte e outra de vida, mas ambas povoam o pensamento de quem lê, e o leitor colhe o verde da horta de Maria e o roxo das belas flores poéticas de Florbela.
(Juliana Trentini)
sábado, 31 de outubro de 2009
domingo, 25 de outubro de 2009
Verde
Verde de todos os tons possíveis e imagináveis, uma alegria frutífera para esconder as angústias do seu passado, passado este que daria um bom romance carregado de amor e dissabores. Não posso esquecer do cheiro, a colônia que usava também tinha a mesma cor dos objetos da sua casa, era verde, porém escuro, Mauá.
Mas por que falar no passado? O tempo verbal é algo que sempre me confunde, nunca sei a medida certa para encaixar os fatos em sua cronologia, se foi, é ou será... eu não sei, nunca sei...Kronos e as regras gramaticais me odeiam, na verdade não sei lidar muito bem com regras, fujo sempre de tudo que queira limar minhas atitudes, ideias, vontades, dizeres e verbos presentes, passados, futuros. Eu apenas quero verbalizar uma imagem que está presa, em cárcere privado na minha memória e a partir do momento em que eu libertá-la, ela deixará de ser só minha e ficará a critério de vocês descobrirem em que lugar do tempo foi estacionar.
A única certeza que tenho é a dos sentidos, principalmente visual e olfativo, não preciso mais falar da cor, pois esta foi sempre igual, não. É mentira! Ela já experimentou o cinza quando se viu sozinha com seus filhos pequenos, o marido nos tempos da ditadura sendo levado naquele carro em meio a tantas armas e silêncio, sem nenhuma explicação. E as cores que viu: O azul dos olhos dele que representavam um vazio imenso, talvez de medo ou de abandono e ela ficou inerte naquela mistura de tons.
Passou. A ditadura acabou e os filhos cresceram. Ele deixou seus aviões e ela o deixou depois de meio século e mais um pouco de convivência. As mudanças bruscas são ainda mais doridas quando não se é jovem e ela sofre alegremente, com um sorriso meio desorganizado e uma voz cheia de coros evangélicos que entoa afinada. Mas a imagem que está presa, que vou abrir o cadeado nesse momento sem tempo verbal exato, é que quando ela está tudo cheira. A casa tem cheiro verde, do louro no feijão, do coentro, da cebolinha, dos objetos, da colônia que deixou de ser Mauá... Quando ela está, o mundo abre-se para as cores mais diversas do que as pinturas que ela conserva em telas e presenteia para seus filhos e netos, a minha tela é um mar, VERDE, com uma jangada solitária vagando por entre as ondas, passeando o olhar sobre os coqueiros e o céu com tons amarelos da luz do sol. Eu me pergunto: essa vela, sou eu ou ela? Creio que é apenas uma tela feita com amor para enfeitar o meu quarto e nós vamos nos guiando sozinhas de acordo com o vento que embaraça sempre os meus cabelos e os olhos quase verdes e sem cor certa liberam as imagens que projetam em sua mente fértil, do solo mais fértil ainda que é esta epopéia de vida.
(Juliana Trentini)
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Acalanto
Positivo.Felicidade, ansiedade e medo. Quase nove luas...entre cheias, minguantes, novas e crescentes, cresciam em sí dois sonhos, duas vidas para modificar outras tantas...e para enaltecer os olhares de tanta satisfação, satisfação esta que exacerba os sentidos dos dizeres, não existem palavras capazes de traduzir para qualquer dialeto que seja a representatividade que essas estrelas são para eles.
Cor? Lilás e branco, dois carrinhos, dois berços, dois colos, duas canções e tantas melodias diferentes... personalidades distintas desde o princípio uma carregando um nome doce e a outra um nome forte, mas o carinho, não há como distinguir.
E no espaço das vontades nada diverge, o choro sempre vem tocando a mesma toada no mesmo volume de decibéis, juntam a fome e a manha e pedem colo, esse desejo de canção já vem com o berço e como é difícil para ela compor as vontades de ambas quase sempre querendo suprir suas necessidades ao mesmo tempo, e já não há peito que preencha tanta voracidade e é entre mamadeiras e chupetas que os familiares vão sempre ajudando nesse processo duplo de crescimento, e o acalanto é cantado entre vozes desafinadas e descompassadas, no entanto repleta do valoroso perfume do amor.
(Juliana Trentini)
Postagem feita para o meu irmão Cláudio Henrique, para minha cunhada Lilian e para minhas sobrinhas gêmeas Laura e Celina.
domingo, 18 de outubro de 2009
Pretérito imperfeito
E os olhos não sintonizam nenhuma cor ou riso e não irão experimentar jamais o futuro do presente...O indicativo não indica nenhum caminho certo, são apenas curvas cheias de vento e de lombadas, o terreno dos planos ficou para trás.
Decidiu renunciar ao amor. Será que fez certo? Foi ser literatura, quis ser apenas verso. Rompeu com os paradigmas dos sentimentos e foi sentir-se, escondendo-se por trás das palavras para revelar-se como um papel em branco com pingos de tinta, abstração de imagem e de letras, voracidade, fome, voz do silêncio.
(Juliana Trentini)
Aperitivo poético:
meio verso de lamento
sorrisos são sempre fáceis
assim como o choro
percorrendo a face
o difícil é:
não poder compartilhar tudo
e despejar suas incertezas
na cama de um quarto escuro
(Juliana Trentini)
segunda-feira, 5 de outubro de 2009
Diário da Ju II
Ouço os prantos dos amigos e conforto-os em distância. Por que todo mundo que eu gosto vai embora? Tenho esse talento incrível para despedidas e sinceramente, eu detesto! Paradoxalmente adoro sentir saudades, é uma dor aguda e fina e deliciosa, tem sabor de amor e de força, palavra exclusiva da língua portuguesa e tão comum para os nossos sentidos humanos... Saudade você não fez da minha vida uma rua sem saída, mas estreitou minhas relações e é em um beco que desembocam todas as palavras múltiplas que representam uma única significância: O valor!
E esse valor cor de ouro me faz ser interprete da lua, me faz enxergar a cor do vento e me faz ser feliz entoando um lamento.
Saudade, saudade, saudade... Vai passear na rua e avisa que eu espero o que for preciso, pois não há nada mais importante que um amigo ou um amor ou bem qualquer, não há nada mais importante que ser sensível às razões de outrem, não dá pra ser egoísta o tempo inteiro e é por isso que eu sempre sinto saudades de alguém.
(Juliana Trentini)
Aperitivo poético do dia:
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.
(Carlos Drummond de Andrade)
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