domingo, 10 de maio de 2009

Mãe e filha



Homenagem para minha mãe querida e inspiração diária:


Ela tinha quase trinta anos e se achava velha, velha demais para ser mãe novamente, mas por descuido ou por destino (isso não se sabe) acabou engravidando pela terceira vez. Já tinha um casal, dessa vez pôde saber o sexo pela ultra-sonografia e seria a primeira a usar fraldas descartáveis, era uma menina.

Na semana do parto... uma notícia: a médica que havia acompanhado toda a gestação não poderia se fazer presente pois estava com catapora; a mãe quase que enlouquece, estava velha, não tinha a médica em que confiava e não queria outra filha, não queria mesmo.

Tarde de dezembro, a menina nasce. Branquela e magrinha e com ela nasceu também uma rejeição. A mãe disse categoricamente: “Nem me mostre, não quero nem ver essa menina!”. A mãe havia sofrido muito no parto e carregaria conseqüências físicas para o resto da vida. A avó enchia a menina de cuidados, roupa amarelinha e cheirosa, colo e beijinhos enquanto a mãe olhava o vazio e rejeitava.

No dia seguinte, ensolarado (assim como são de praxe as tardes de dezembro)... A mãe arrependeu-se e disse: “Dê-me aqui a menina”, seria Júlia seu nome, mas esse era o nome da vizinha chata, então acabou ficando Juliana. A rejeição durou apenas um dia e a mãe lhe recompensaria a vida inteira... melhores amigas, companheiras, amantes das palavras. Mãe poeta, filha aprendiz.

Se for para ter esse tipo de recompensa, desejo ser rejeitada muitas outras vezes, desejo sim!





Aperitivo poético:

O rio no quintal

Havia um rio no quintal da casa
Morria de medo de acordar meio sonâmbula
Cair no rio e me afogar.
A casa pequena e aberta
Dava para tudo: a escuridão da noite
Os murmúrios dos bichos desconhecidos
Os pontilhados dos insetos invasivos.
A casa abria-se para o rio de águas turvas.

Havia um rio no quintal da casa
Rio que via quando a manhã chegava
De areia grossa escura e pegajosa.
A casa pequena e aberta
Dava para tudo: a claridade do sítio
As caras simpáticas dos animais domésticos
Os coentros e cebolinhas aéreos e cheirosos.
A casa abria-se para o meu coração temeroso.

Minha mãe pingava limão no suco de caju
Meu irmão corria do porco que corria do cachorro
Minha irmã de olhos negros chorava por tudo
E gostava de ouvir histórias.
O rio estava lá no fundo do quintal
Bastava andar um pouquinho
O rio estava lá logo depois do varal
Onde brilhavam as nossas camisolas alvas.
Quando dormia via o rio no sono

Murmurejante e espesso, encrespado de chuva
Me revolvia assustada o rio querendo me levar.

"Mamãe, mamãe,
Vem, me salva!"

Colo de mãe é mais que rio
É mar.

(Anchella Monte)




Triste aperitivo:

Incompreensão dos Mistérios

Saudades de minha mãe.
Sua morte faz um ano e um fato
Essa coisa fez
eu brigar pela primeira vez
com a natureza das coisas:
que desperdício, que descuido
que burrice de Deus!
Não de ela perder a vida
mas a vida de perdê-la.
Olho pra ela e seu retrato.
Nesse dia, Deus deu uma saidinha
e o vice era fraco.


(Elisa Lucinda)





Meu aperitivo poético:

Mãe e Filha

Ela não usa mais a máquina de escrever
( a datilográfica)
Sinto falta
Do barulho que peregrinava
Horas a fio
Somado a goles de café forte
E amargo
Acompanhado de inspiração
Claramente perceptível
Pela intensidade trabalhada pelos dedos.
Eu menina curiosa
E companheira
Rodeava a sala
Por vezes interrompia seus pensamentos
Pacientemente me dava papéis de rascunho
Desenhava sereias e barquinhos
-gostávamos do mar.
Um dia descobri as palavras escritas por minha mãe com veemência
E euforia.
Gostei.
Ainda criança aprendi do meu jeito a fazer o mesmo.
No entanto arcaica
Enquanto ela datilografava eu escrevia manuscritos
Hoje
Mundo moderno
Ela digita
Com o tempo sempre corrido
Ela se habita em versos.
Eu sigo os seus passos
De maneira mais primitiva
Gosto de calo nos dedos
Gosto da letra feia no papel.
Somos mãe e filha
Ela é jovem
Eu sou antiga.

(Juliana Trentini)

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. LINDO! Tudo lindo!
    O jeito de contar a história, os poemas, o que se sente ao ler! Impossível não adorar o que você escreve, galega do meu coração!
    E já que hoje é dia das mães, vou te confessar uma coisa. Dentre todos os meus primos, tenho um carinho diferente por você e Gabriel, o pequeno (tem "só" 15 anos) brasiliense. Não que seja mais do que pelos outros primos, que também amo demais, mas o que sinto por vcs dois é um carinho meio de mãe, porque desde que vocês nasceram, a minha brincadeira preferida quando os tenho por perto é a de cuidar de vocês.
    Beijões em você e dá beijos em tia Anchella por mim, tá?!

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  3. Taí, você conseguiu me deixar arrepiado. E olha que eu já conhecia essa história de cabo a rabo. Inclusive a poesia.

    Ontem estive com D. Teté. Fui dar um beijo nela, pelo dia das mães. Tenho saudade daquele convívio.

    =)

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  4. Amigaaaaaaaaaaaaa.. me arrepiei.. meu deus! =~~~~~~

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  5. Brigada gente...as melhores palavras são as que vem de vcs.

    amo-los

    bjus

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