domingo, 27 de novembro de 2011

Labor

A poesia cotidiana
Transgrido
Vida repleta de inoperâncias
Opero

Formiga
Grão em grão
De bico

Impossibilidades
Frutifico

Triste
Triste seríamos
Sem ofício

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

As Razões do Amor

Hoje, o aperitivo foi  furtado para ilustrar o meu pensamento sobre o amor. Ando pensando nele ultimamente, na vontade incessante de senti-lo latente em meu peito, mas essas coisas a gente não controla, né? Ou controla? Afinal o que é o amor se não uma simbologia criada por nós mesmos de algo que só existe na projeção do nosso pensamento?



Autor: Rubem Alves teólogo, filósofo e psicanalista brasileiro. Rubem Azevedo Alves nasceu em 1933, Boa Esperança, Minas Gerais. Famoso cronista.

 Fonte: Crônica publicada no Correio Popular; Campinas; em 14/05/92


Os místicos e os apaixonados concordam em que o amor não tem razões. Angelus Silésius, místico medieval, disse que ele é como a rosa: "A rosa não tem "porquês". Ela floresce porque floresce."
Drummond repetiu a mesma coisa no seu poema As Sem-Razões do Amor. É possível que ele tenha se inspirado nestes versos mesmo sem nunca os ter lido, pois as coisas do amor circulam com o vento.
"Eu te amo porque te amo..." - sem razões... "Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo." Meu amor independe do que me fazes. Não cresce do que me dás. Se fosse assim ele flutuaria ao sabor dos teus gestos. Teria razões e explicações. Se um dia teus gestos de amante me faltassem, ele morreria como a flor arrancada da terra.
"Amor é estado de graça e com amor não se paga."
Nada mais falso do que o ditado popular que afirma que "amor com amor se paga". O amor não é regido pela lógica das trocas comerciais. Nada te devo. Nada me deves. Como a rosa que floresce porque floresce, eu te amo porque te amo. "Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários... Amor não se troca... Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo..."
Drummond tinha de estar apaixonado ao escrever estes versos. Só os apaixonados acreditam que o amor seja assim, tão sem razões. Mas eu, talvez por não estar apaixonado (o que é uma pena...), suspeito que o coração tenha regulamentos e dicionários, e Pascal me apoiaria, pois foi ele quem disse que "o coração tem razões que a própria razão desconhece". Não é que faltem razões ao coração, mas que suas razões estão escritas numa língua que desconhecemos.
Destas razões escritas em língua estranha o próprio Drummond tinha conhecimento, e se perguntava: "Como decifrar pictogramas de há 10 mil anos se nem sei decifrar minha escrita interior? A verdade essencial é o desconhecido que me habita e a cada amanhecer me dá um soco." O amor será isto: um soco que o desconhecido me dá?
Ao apaixonado a decifração desta língua está proibida, pois se ele a entender, o amor se irá. Como na história de Barba Azul: se a porta proibida for aberta, a felicidade estará perdida. Foi assim que o paraíso se perdeu: quando o amor - frágil bolha de sabão - não contente com sua felicidade inconsciente, se deixou morder pelo desejo de saber. O amor não sabia que sua felicidade só pode existir na ignorância das suas razões. Kierkegaard comentava o absurdo de se pedir aos amantes explicações para o seu amor. A esta pergunta eles só possuem uma resposta: o silêncio. Mas que se lhes peça simplesmente falar sobre o seu amor - sem explicar. E eles falarão por dias, sem parar...
Mas - eu já disse - não estou apaixonado. Olho para o amor com olhos de suspeita, curiosos. Quero decifrar sua língua desconhecida. Procuro, ao contrário do Drummond, as cem razões do amor...
Vou a Santo Agostinho, em busca de sua sabedoria. Releio as Confissões, texto de um velho que meditava sobre o amor sem estar apaixonado. Possivelmente aí se encontre a análise mais penetrante das razões do amor jamais escrita. E me defronto com a pergunta que nenhum apaixonado poderia jamais fazer: "Que é que eu amo quando amo o meu Deus?" Imaginem que um apaixonado fizesse essa pergunta à sua amada: "Que é que eu amo quando te amo?" Seria, talvez, o fim de uma estória de amor. Pois esta pergunta revela um segredo que nenhum amante pode suportar: que ao amar a amada o amante está amando uma outra coisa que não é ela. Nas palavras de Hermann Hesse, "o que amamos é sempre um símbolo". Daí, conclui ele, a impossibilidade de fixar o seu amor em qualquer coisa sobre a terra.
Variações sobre a impossível pergunta:
"Te amo, sim, mas não é bem a ti que eu amo. Amo uma outra coisa misteriosa, que não conheço, mas que me parece ver aflorar no seu rosto. Eu te amo porque no teu corpo um outro objeto se revela. Teu corpo é lagoa encantada onde reflexos nadam como peixes fugidios... Como Narciso, fico diante dele... No fundo de tua luz marinha nadam meus olhos, à procura... Por isto te amo, pelos peixes encantados..."(Cecília Meireles)
Mas eles são escorregadios, os peixes. Fogem. Escapam.
Escondem-se. Zombam de mim. Deslizam entre meus dedos.
Eu te abraço para abraçar o que me foge. Ao te possuir alegro-me na ilusão de os possuir. Tu és o lugar onde me encontro com esta outra coisa que, por pura graça, sem razões, desceu sobre ti, como o Vento desceu sobre a Virgem Bendita. Mas, por ser graça, sem razões, da mesma forma como desceu poderá de novo partir. Se isto acontecer deixarei de te amar. E minha busca recomeçará de novo..."
Esta é a dor que nenhum apaixonado suporta. A paixão se recusa a saber que o rosto da pessoa amada (presente) apenas sugere o obscuro objeto do desejo (ausente). A pessoa amada é metáfora de uma outra coisa. "O amor começa por uma metáfora", diz Milan Kundera. "Ou melhor: o amor começa no momento em que uma mulher se inscreve com uma palavra em nossa memória poética."
Temos agora a chave para compreender as razões do amor: o amor nasce, vive e morre pelo poder - delicado - da imagem poética que o amante pensou ver no rosto da amada...

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Matéria de poesia - aos meus poetas preferidos do momento

E meu sono foi levado pela inquietação da poesia
hora me sorria e hora me chorava

Entre Manoel e Manuel
estrela e chão

canto à luz noturna
laços
lágrimas
riso

e de infância
em infância
oscilo
por dois amores
meu pensamento pertence
ao cinza e as cores

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Dores


Sabe o que dói mais nos ritos de passagem? É não saber confortar o outro...a minha dor eu amenizo, preparo curativos e bandagem. Suporto. Sempre suportei separações, brigas, intrigas, cortes e cortes e mais cortes e depois de horas a fio, trancada no meu quarto- repleto de ausências e desertos- as lágrimas acabam lavando-me com perfumes de conformação. E quando menos espero, lá estou eu gargalhando com algum papo jogado fora com os amigos, ou mesmo em casa, onde sempre encontrei boas histórias. 

Mas tem algo que não sai da minha cabeça, não tem saído, é verdade, faz morada nos meus ouvidos, são gritos e gritos e gritos. Eu queria roubar a sua dor para mim. Queria sim. Para tratá-la como sempre fiz com meus ais. Se há algo no mundo que não podemos furtar é o sentimento alheio, não posso embalá-lo, não posso conter seu choro, não posso falar, porque só pertence a você a dormência dessa agonia.  Velo seus passos calados pela casa, velo seu sono inquieto, seu choro fazendo toada com a canção de Chico. 

E de mim só posso dizer que nunca fui boa para orações ou palavras de conforto, porém guardo nos braços todos os abraços que puder lhe dar.

sábado, 24 de setembro de 2011

discurso

Fui oradora da minha turma - 2011.1 -Armadilhas de Letras- Letras UFRN



Gostaria de agradecer a presença dos membros à mesa, dos formandos, do nosso querido paraninfo, professor José da Luz, dos familiares e amigos. Boa noite a todos! 

É uma honra poder ser a voz representante de tantas outras entonações que compõem o nosso coro; nós somos as vozes entrelaçadas por palavras; nossas armadilhas de letras formando canções habilitadas na língua portuguesa, inglesa e francesa. 


E, nessas armadilhas em que caímos, aprendemos a costurar as palavras, os verbos – muitas vezes presos nos dentes para não desrespeitar o outro –, antes impossíveis de conter, pois instalávamos ventanias. Seguimos, por cinco anos, entre tempestades e sóis, entre palavras inauditas e gritadas, entre versos soltos e desmanchados pelo tempo, porém aprisionando todas as nossas vivências na memória. E algo que não nos podem arrancar, em tempo algum, são nossas raízes, muito bem fincadas com o aprendizado conquistado em sala de aula, nos congressos, nos corredores ou mesmo nas farrinhas acadêmicas, ficando a encargo das atividades extracurriculares. Assim como o amor criado pelo vínculo de cada tribo, cada grupo tornando-se uma árvore com seus devidos frutos, diversificando nosso paladar, nossas cores, nossa seiva.


Nesse solo fértil de narrativas e versos, nossas memórias inventadas sempre registrarão no backup a necessidade de se fazer análise do Quereres de um Caetano Veloso, ou dos quereres de um professor que, quando se empolgava, levantava da cadeira e, de maneira bem sutil, dava pulos de dança, ficando em meia ponta no seu All Star, falando sobre a importância do amor pela leitura e sobre um de seus desejos: se conseguisse fazer um aluno, apenas um aluno, gostar de poesia, já se sentiria realizado. Posso dizer que sua paixão não foi transmitida apenas para um, mas para muitos de nós. Dessa forma, pudemos colher essência até de uma terceira margem do rio, aquela aparentemente inatingível, porém concreta para quem consegue enxergar além do sonho. 

Também ficarão registradas as clássicas jogadas de ombro de alguém que, à primeira vista, não demonstrava muita afetividade; no entanto, mostrou-se sempre solícita e, sem abandonar seu humor, por vezes sarcástico, estava sempre aberta a tirar dúvidas e a se fazer presente em todos os momentos significativos para os alunos, com sorrisos e lágrimas, além de um carinho que sabemos reconhecer na exigência e na capacidade de, com maestria, conseguir ministrar quatro horários de aula seguidos sem sequer percebermos o tempo passar, de nos fazer pensar e reconhecer nossos próprios erros e acertos e de nos fazer evoluir como alunos-professores em formação e como seres humanos.  

Há também quem deixou a sala de aula para organizar todos os pingos nos seus respectivos is, colocando ordem na casa, fazendo do nosso curso um lar, oferecendo-nos um norte, enquanto corríamos para o sul erroneamente. Com sorrisos e coração escancarados, ninho abrigando seus filhotes. 
Existiram aqueles que nos desafiaram, e pensávamos o quão terríveis eram, minando a nossa autoestima. No entanto, quando estávamos lá, prontos para deixarmos a peteca cair, surgia uma precisa mão, com um lápis grafite e uma borracha, para nos dizer como a história poderia ser escrita, fazendo desaparecer a escuridão. 

São tantos, tantas marcas, tantas representações: vinho no Via Direta, café na cantina, teclados e parabéns... e fomos construindo ensaios de nós mesmos com a ajuda de nossos mestres e, como diria um deles, “não estou ensaiando, tentando acertar?” Sim, estamos tentando acertar, inventando nossas construções lexicais, nossos caminhos, nossas conquistas, como comprova Manoel de Barros: “Tudo o que não invento é falso”. 

Vale ressaltar que este momento nos faz esquecer todos os copos de cólera entornados. O livro de mágoas ficou arquivado em um acesso restrito da biblioteca da nossa memória e será utilizado apenas para o nosso engrandecimento, para reconhecermos o quão importante foram as tristezas e as dificuldades. 
A nossa Odisseia está chegando ao fim. Somos homeros vivenciando a nossa hora da estrela, sem macabeias iludidas e falecidas. Estamos felizes, somos felizes. Sabemos que toda felicidade exige valentia e, como foi mencionado na aula da saudade, valentia nós temos de sobra. Fomos capazes de batalhar e viver esse presente graças a uma união que chegou um pouquinho tarde, mas chegou. Hoje posso dizer que somos uma turma, que somos amigos. 
Agradecemos à família e aos amigos, sem os quais nada disso seria possível. Para quem crê, o agradecimento vai principalmente para Deus, pois é d’Ele de quem nos valemos nos momentos desesperadores. 

Quero finalizar este instante com a leitura de um poema cujo autor é Vicente Vitoriano, artista plástico e professor da UFRN:

POST SCRIPTUM

Apanhe o raio de sol que escorre pela goteira
e coloque no bolso para você usar mais tarde
quando for escuro.
Aproveite minhas palavras pois
minha permanência é passageira;
enfie-as nos ouvidos para curti-las
mais tarde quando eu estiver mudo.
Não conserve, entretanto, por demais sua apatia:
tente falar também, evite que seus dentes
fiquem cariados
pois a palavra é uma semente que já sai feito planta
quando é verdade
Aguarde minhas notícias e adeus. 


 Essas também são as nossas verdades. Aguardem nossas notícias, nós não vamos nos dizer adeus.

Parabéns pela conquista turma de 2011.1, que todos nós sejamos felizes!
Obrigada!

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Saberes












Eu sabia...

Intuição é um dom que tenho, não sei ainda com qual finalidade, mas tenho.

Eu sabia que ganharia mais versos e poesia
menos dinheiro e mais felicidade

mais canção e menos chão
muito céu e paisagem

meu destino esse eu não sei
só sei que segue viagem

(Juliana Trentini)

segunda-feira, 25 de julho de 2011

hoje

Hoje eu quero uma canção
ontem queria um verso simples
hoje estou no chão
amanhã pegarei os céus
as estradas
as malas
as estações

as estrelas
preguei botões
os oceanos fiz aliança
casei com os sonhos
virei criança
ladrilhei um carrossel

fui embora para o futuro
não sei se vou voltar
não me espere em cima do muro
ou fica ai
ou vem para cá


(Juliana Trentini)

sábado, 23 de julho de 2011

O vento

O vento invade
todas as frestas
do meu pensamento

derruba os retratos
da estante
faz valsa nas cortinas
e cabelos

em instantes
o vento varre vontades
verdades
os olhos contemplam o silêncio

Juliana Trentini

segunda-feira, 18 de julho de 2011

A canção de hoje

Erros

seu erro é caçar canções em qualquer palavra
pensar que o mundo foi feito para o céu
nem toda melodia termina em dança

os sonhos rimam feito literatura de cordel
mas a vida é prosa
e o caminho cruel

Juliana Trentini

Ritual

para toda passagem
há um caminho
e um pedágio

concedo as duas moedas
são do barqueiro
e o espirito
realiza travessia

dias de reza e choro
cobertas, branco, soro
velamos um sono eterno
e enterramos o morto

Juliana Trentini

domingo, 17 de julho de 2011

velas e ventos

demônios da garoa
anunciações
são tantas as canções
e tão frágil é o céu

são tantas entradas e chegadas
mas nenhuma janela abre-se para o meu pensamento
meu coração é só lamento

se não fosse a chuva para lavar meu sal
quão hipertenso seria esse tormento
entre águas e correntes a vida escoa
e de proa em proa
sou vento

Juliana Trentini

terça-feira, 12 de julho de 2011

vida

já fiz muito por pouco
já fiz pouco por muito
fui louco carregando os sentimentos do mundo

fiquei rouco
mudo
de tanto tirar pedras do caminho
atirei-me
telhado de vidro
carrego cruzes e o adeus

enganei deuses e sonhos
rasguei os planos
e fiz uma nova canção

sem chagas
sem flores
só o chão de terra batida
piso

(Juliana Trentine)


Vida

(...)
A vida é pouca
Soma loucura
Vôo rasante sobre o abismo.
A vida é isso.

Anchella Monte

terça-feira, 5 de julho de 2011

uma canção perdida

águas passadas

o corpo enfermo talvez retrate as doenças da alma

sinto o rio que corre levando e trazendo águas novas

escuto o barulhinho de chuva que você criava para me fazer dormir, substituindo a canção jamais cantada

"e como uma estrela pelo meu céu você apareceu em minha vida/ e eu jamais serei a mesma"

e se foi como os primeiros raios de sol chegam após uma noite mal dormida

tudo é muito invasivo e evasivo

vivo minha eterna dicotomia

lavo minhas águas passadas e mantenho os pés apressados e limpos

um dia há de existisr uma outra estrela para ilustrar meu céu e que me sejam concedidas asas diferentes das de Ícaro.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Deixe-me ir

Nem sempre os caminhos certos possuem a trajetória mais linear...a vida sempre gostou de me pôr obstáculos e acho que me acostumei a ver tudo de uma forma mais complexa.

Não há pedra, nem pássaro, nem chuva

Não há medos, nem alegrias

Há uma tristeza de quem gostaria de ficar, talvez, mas que precisa partir para não partir-se.

"Não é por mal, mas vou te fazer chorar" e a mim também

escondo as lágrimas na saia de chita e na cantiga peculiarmente nordestina " e você não gosta mais de mim, vem dizer que eu não soube dar amor". Soube, mas saber amar é saber deixar alguém te amar e eu não tenho talento para isso.

E minha sina é a de sempre:"ser minha, só minha e não de quem quiser"

Afinal

"Solidão é lava que cobre tudo"

E dançamos juntos nas desilusões, separadamente.

Sigo Cartola e deixo-me ir, só vou voltar quando me encontar!

domingo, 19 de junho de 2011

Insônia e outros causos

Sabe...quando estou muito chateada, com muita raiva, eu sempre penso em um dos meus poemas preferidos.

Citando Mário Quintana:

Se as coisas são inatingíveis... ora!
não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
a mágica presença das estrelas!

E respiro, conto até 10 e penso: "brigada poesia, você é meu calmante". Que nada! que nada mesmo. Não há Mário Quintana que consiga me tirar desse baú de espantos e não existe algo no mundo que me console, eu sou mesmo assim, tenho que sentir a dor latejar até o fim, ainda que eu finja, que procure subterfúgios, ainda que eu corra, encontro-me no labirinto do fauno. E são guerrilhas, fantasias, torturas e medos ilustrando meu caminho.

Acabo bebendo um copo de colera. Escuto a outra voz presente em mim, esta me guia para a terceira margem do rio, aquela que está apenas no plano dos sonhos, irreal, fictícia e sim...inatingível. Eu não encontro a minha hora da estrela, apagou-se, assim como toda felicidade que exige valentia e eu acovardo-me, pois meu corpo é só cansaço e meu coração é um livro de mágoas.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Paixões










As poucas vezes que amou, amou à primeira vista. Bastava enxergar os olhos e saberia dizer se ali se plantariam sonhos e poesia.

Músicas, risos, muitas, muitas pessoas, mas o pensamento se guiava apenas em uma direção, respeitando o céu que desabava e acolhia.

Mãos de afagos delicadamente moldadas, unhas sempre pintadas, perfumes, doces, dança e muito cheiro no cangote, como se ninho fosse.

Para tempos depois abrigar-se em um oceano de desilusões.

Até que resolveu inverter suas paixões, deixando de lado seus impulsos, trocou o calor pelo frio e o tempo encarregou-se de mudar as estações.

"o meu coração atira no alvo errado e acerta"

(Juliana Trentini)


Aperitivo poético:

homens

um vem
e nem é bem tratado

o outro
mantido a pão-de-ló
deixa-me só


Líria Porto

domingo, 3 de abril de 2011

Quem canta seus males espanta!!!

O texto abaixo foi escrito pela minha mãe, poeta e professora Anchella Monte. Achei completamente pertinente colocá-lo aqui no blog, pois fala de música brasileira, de poesia, de alma e de sensibilidade, temas que são sempre recorrentes nesse espaço ligeiramente cor-de-rosa assim como a vida que oscila entre cores e suas ausências, entre silêncios e sons.




Dolores e Antônio

Um amigo poeta comentou da falta de “ressonância” após a publicação de um livro, aqui em nossa cidade. Parece que o livro só existe na ocasião do lançamento, quando muitos já se põem a ler ao aguardar o autógrafo. Depois, mesmo os amigos, pouco ou nada comentam sobre a obra, provocando no autor uma certa sensação de incompletude. E então? E então? Esse “e então?” permanece na alma de quem se expôs, de quem se entregou através do escrito. O mesmo vale para outras manifestações artísticas, para quem se doou...
Como Cláudia Magalhães e Isaque Galvão. Belo espetáculo encenado primeiramente no Teatro Alberto Maranhão e no sábado último na Casa da Ribeira. “Dolores” leva ao palco duas figuras fortes e apaixonadas, Dolores Duran e Antônio Maria. E Dolores é Cláudia, Isaque é Antônio, mas também, diante das dores e paixões que ambos manifestam através da vida, um se torna o outro, como acontece no palco, quando as músicas de Dolores são interpretadas por ele e os textos sofridos, mesmo desesperados, do cronista ganham força na voz dramática de Cláudia. 
A união no palco das duas trajetórias não é nova. Com o título de “Brasileiro, profissão esperança”, em 1968  Paulo Pontes criou um musical, depois dirigido por Bibi Ferreira, o qual tornou Maria Betânia e Raul Cortez os amigos Dolores e Antônio Maria, estes que faziam da vida suas canções. Mas nem por isso (e talvez até por isso mesmo, pelo resgate, pela valorização da criação do outro) o nosso musical perde a sua majestade. A voz de Isaque, poderosa (faz lembrar a de Caubi, este ícone) e a expressão de Cláudia, cujas lágrimas não me pareceram de atriz, tal a emoção que transmitia, tornam o espetáculo autêntico e significativo. 

E também, se pensam alguns, não está destinado aos românticos.  Tenho grande admiração por Dolores Duran, desde sempre. Não sei em que momento ainda da infância, fiquei com “é de manhã vem o sol/ mais os pingos da chuva que ontem caiu/ ainda estão a brilhar/ ainda estão a dançar/ ao vento alegre/ que me traz esta canção” ecoando em mim como um símbolo de beleza e alegria. Acreditava então, e hoje, que sol, música, vento e dança fazem a alma colocar-se em estado de satisfação, algo como sentir a vida plena. A canção de Dolores, em parceria com Tom Jobim, permitia-me sentir essa plenitude.  Mas, voltando ao romantismo, pessoas que, como eu, não têm o amor como leitmotiv para o seu processo criativo, e, principalmente, como aspiração existencial, no entanto percebem com clareza a dimensão das emoções para impulsionar a vida, amam a Dolores compositora, amam a intérprete que põe lágrimas na voz. Como afirma Paulo César Pinheiro, em Mordaça: “o importante é que nossa emoção sobreviva.”
Cláudia e Isaque trouxeram ao palco a emoção. Mais a dor do que a alegria, mas a beleza. A beleza no branco dos trajes da época, na simplicidade simbólica dos tamboretes, da caixa vermelha que ocultava letras de música e fotos, o copo à disposição, as pétalas vermelhas como chuva, como chão, a máquina de escrever que se converte em instrumento musical ao acompanhar a voz de Cláudia. E a troca. E o toque. Se é Cláudia/Dolores quem se abraça à caixa vermelha das lembranças, Isaque/Antônio a encontra e desvenda-lhe os segredos, a  bebida que apaziguava, por momentos, tanta ânsia, é a mesma para ambos, como o copo que a representa. E sobre os tamboretes, tão próximos aos bares e à vida noturna, o precário equilíbrio. Em pé sobre um deles, cantando, Isaque é frágil, como era Antônio em sua solidão, mesmo rodeado de amigos. Não é possível ampará-lo, e a ela, pois estão no palco, colocaram-se à disposição da vida. Sentados lado a lado, nos tamboretes, cantam para nós, cantam por nós.

Por nós que precisamos da arte para sacudir a poeira dos nossos recantos interiores, obrigando-nos a abrir janelas, a visualizar novos caminhos. A aplaudir, com entusiasmo, quem chora e canta as histórias de dois, ou de mil.


                                                           Anchella Monte, poeta/professora

sábado, 26 de março de 2011

Felicidade Clandestina

Depois de séculos...uma postagem nova:




Era uma vez um conto de Clarice Lispector. Ele aconteceu no Recife. No tempo em que as crianças amavam os livros. Ainda existem crianças que os amam. Mas a felicidade clandestina da qual falo  nada tem a ver com a infância.

Venho vivenciando essa clandestinidade, imaginando, sonhando feito criança que deseja aventurar-se em um universo lúdico. Procurando desejos palpáveis e tendo a esperança sempre alimentada, tortuosamente alimentada por alguém que talvez finja me entregar o livro aberto, cheio de ilustrações e histórias, repleto de caminhos táteis e mágicos a serem percorridos. Porém, na mesma medida em que vejo o livro, vejo o esconderijo. São estantes de ferro trancadas, uma cara amarrada, fechada para o sorriso que volta e meia se abre (aqui e acolá) apenas, única e exclusivamente para me deixar esperançosa novamente. E quando me encontro diante da página certa, da porta e da janela escancaradas, vem aquela ventania de crueldade e me diz que aquele espaço está ocupado e que o meu tempo já passou. “Agora você já pode ir” diz. “Depois você me procura e veremos o que podemos fazer”. Depois e depois e depois...e eu vou e volto, sempre nas oscilações inebriantes de uma alegria para a qual  talvez jamais serei submetida.

Há pessoas que adoram cometer requintes de crueldade, dando sempre um fio para que a gente possa agarrá-lo com todas as forças e de repente pegam uma tesourinha e “puff” lá vem a queda...e é choro, e medo, e raiva...mas eis que por alguma razão do universo, aparece sempre um e-mail dizendo que gostaria da sua presença, da sua poesia, da sua produção e mais tarde, quando o peito infla de tanta alegria, o coração se marginaliza novamente...

A minha felicidade é clandestina.

 (Juliana Trentini)

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Canção tardia










Os pés ainda desajeitados
a coluna ligeiramente curvada
rostos encontram ponto fixo
e bailam imponentes
com o ritmo que ainda não têm
Bach toca sua orquestra N.3 em Ré maior
e na corda de sol passam luzes noturnas
com vista para a ponte e o porto

pessoas e carros passam
cantarolando
canções fugidias do dia a dia
os meus cabelos mal presos
dançam junto as bailarinas de Balzaque
os olhos constatam:
Nunca é tarde!
Nunca é tarde!

Juliana Trentini
Aperitivo poético:

As pequenas bailarinas
Fila de espera por trás das cortinas
As pequenas bailarinas
Cordão de estrelinhas de tule
Querendo virar cometas.

Pelos olhos cintilantes
Não serão elas, as estrelinhas
Que no palco entrarão.
O palco com cortinas e aplausos
Já entrou-lhes no coração.

As pequenas bailarinas
Saem estrelas, voltam fadas,
São pastoras e ovelhas
Feitas de coques, sapatilhas e meias
Pelas músicas orquestradas.

Encerrado o espetáculo
Nem de noite nem de dia
Vão as estrelinhas para a casa
E por mais que o sono arrebate
Já não podem ser apagadas.

Anchella Monte

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

não saberes


Disseram-me que a tristeza é mais poética que a alegria, não sei. Talvez seja. Talvez seja necessária a ausência de cores para encher a aquarela de tons. Mancho os dedos com solvente tentando desbotar as palavras, mas elas incrustam nos cantos dos dedos e me acompanham sem nada dizer. E me calo tentando traduzir algum caminho, porém o estrangeirismo das letras impede-me de decifrar o destino.

Se o dia nubla ou o sol se anuncia, já não sei. Desconfio que em mim não exista nem alegrias nem dores, estou repleta de ausências. Já nada dói, nem nada ri. Logo eu que sempre detestei o equilíbrio e a razão. Figuro exatidão no espaço.

Não vou esquecer a bagagem para fomentar os contornos futuros, farei camadas “com açúcar e com afeto”, esquecerei a fotossíntese e a osmose, cansei da passividade. Sou voz ativa dos meus anseios.  Acho que na verdade meu sujeito sempre participou das ações, mas nem sempre eu estava lá para assistir. 

(Juliana Trentini)
Aperitivo poético:
Motivo


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.


Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Cecília Meireles





terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Pesos e penas


 








Filha de poeta

Sou filha de poeta. Nasci mamando poesia, minha mãe sem leite me embebedou de cervejas pretas e infinitos versos rimados. Talvez a ausência do leite materno seja responsável pela paixão que o vírus da gripe tem por mim. Eu gostei de nascer assim, já meio bêbada.
O fato é que ser filha de poeta implicou em um causo, fui condicionada a respirar poesia, minha alimentação é realizar fotossíntese em cada palavra que goteja de cada lugar, é seiva de cada árvore que se planta em mim. Eu nasci raiz. E por falar em raiz, a minha progenitora -Anchella Monte- lançará um livro em breve. Acompanhei como em todos os seus outros livros solo, o nascimento de cada poema e agora do prefácio elaborado por Paulo de Tarso Correia de Melo e a única coisa que posso dizer até agora é que estou encantada com cada palavra e obviamente emocionada como sempre fico. Quando estiver próximo ao lançamento, informarei aos senhores leitores do blog. 

O título do livro é “Pesos e Penas”.  A polissemia me transmite as sensações de nossos pesares, das nossas lamentações e me remete a uma indagação de Milan Kundera em A insustentável leveza do Ser. “O que devemos escolher o peso ou a leveza?” Fico com o peso de ser a filha da poeta, não o peso no sentido de fardo, mas de estar fadada a sentir todas as dores provocadas pelos dramas cotidianos, pelas faltas, pelas mágoas, pelos amores rompidos, pelos desamores cultivados e regados que não conseguimos compreender, fico com o peso de não poder dissolver as penas em copo de água como se fossem aspirinas ou transformá-las em penas de pássaros com vôos rasantes. Tenho de herança a riqueza de saber amar as palavras, sou aprendiz de ourives e desgasto os dedos tentando polir o amor. 

P.S:. E esse amor me deu finalmente coragem de fazer minha primeira tatuagem que será em homenagem àquela que me ensinou a viver os versos, minha poeta preferida, minha mãe.  Farei a capa do seu segundo livro solo “Temas Roubados”. Solidificando em minha pele o laço com a pessoa que mais amo na vida e marcando em mim o que mais gosto de viver: POESIA! Próximo layout do blog será minha tatuagem =D
Aguardem!!!




Aperitivo poético
“O rio corre ainda e sempre
Lavando-se nas pedras e esperando o mar.
Maior o mar que está a sua frente
E de longe já sente o cheiro e as cintilações.

Como o rio há certas gentes
Que desvelam o próprio coração.”

Anchella Monte






segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

A música do silêncio














Tem gente que não consegue ficar só e não gosta do silêncio. Eu não. Adoro o vento fazendo canção pelas frestas da janela. Adoro todas as aves ruidosas que aparecem no Pau-Brasil de minha casa, as cortinas valsando acompanhadas de raios de sol, um avião que passa antecipando o céu e transportando histórias, os pregões com suas vozes cansadas fazendo um eco distante na rua.

Eu sou espectadora do mundo que se passa em meu jardim, acompanho do chão ao céu todas as melodias cotidianas e fico ouvindo a música do silêncio, contemplando o que passa despercebido pela maioria. Gosto das palavras inauditas e do olhar para dentro, para dentro do universo que habitamos acompanhados de seiva.



Aperitivo musical:


domingo, 9 de janeiro de 2011

Educação














Peço licença à poesia. Ela está escassa. Foi valsar em um sol falso, em retinas que não compreendem o que é educação, o que é literatura, o que é o amor. Aliás, pedir licença parece coisa do passado, ser gentil e educado...não vejo mais isso nos humanos, até vejo aqui e acolá, um caso perdido, realmente um perdido para os tempos modernos. A educação hoje vem em uma camada fina e superficial.
Esse blog estava sendo mais destinado à poesia e a ensaios literários, porém tenho visto filmes e lido livros que me fazem querer compartilhar com os leitores do Aperitivo. Por isso usando a boa educação que me foi ensinada, pedi que a poesia se guardasse por uns tempos. A curiosidade do dia, ou melhor, o interesse é pelo e sobre o filme "Educação" de Lone Scherfig. Filme que nada tem de aperitivo. É um prato cheio! Desses que nem se faz necessário o complemento da sobremesa.

A filmagem do filme é simples, nos faz permear em uma situação muito próxima do real, as vivências familiares são extremamente verossímeis e nos remetem a situações vividas por nossos familiares há algumas décadas. Passei o filme inteiro vendo a minha avó em sua adolescência com algumas grandes diferenças, é claro. Jenny é uma adolescente de 16 anos, a melhor aluna da classe com grandes chances de estudar em Oxford. Além de dedicada aos estudos, a personagem estuda violoncelo e muito entende sobre música e arte. Um dia, em meio a sua rotina comum, conhece um homem mais velho “Danny” que irá mudar o curso da vida esforçada, estudiosa, dura e entediante da garota. Ele a seduz com idas à concertos, leilões de arte e a diversão que as festas noturnas proporcionam, porém Jenny apesar de ser um pouco ingênua é muito inteligente e esperta, acaba descobrindo as atitudes desonestas de Danny, o que naquela época poderia acabar com a vida de uma jovem.

O filme educação mostra a dificil tarefa do processo de formação do individuo em relação a suas escolhas profissionais e diante da vida, também mostra como nos deixamos seduzir por oportunidades fáceis e por sensações e como as pessoas vestem máscaras com facilidade. A principal questão está na reflexão a respeito dos nossos atos diante do fracasso. Do que fazemos com as nossas desilusões. E então, qual é o caminho? Procurar vencer diante de uma barreira aparentemente intransponível? Ou deixar se afundar nas desilusões nas quais somos arremessados sem direito a nenhum escudo?

No momento presente, acho que o caminho é assistir ao filme. Além de muito bom, tem uma trilha sonora deliciosa (a cereja do bolo).

“Mais educação, por favor!”


(Juliana Trentini)



terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Leituras










Apesar de eu ser mulher, tem coisas que eu jamais consegui fazer ao mesmo tempo, como ouvir música e ler. São dois rituais distintos. Caso eu invente de tentar conciliar, acabo por não prestar atenção em nenhum dos meus prazeres. Sim, os prazeres também necessitam de dedicação. Eu me dedico.

Sou arcaica, não tenho músicas baixadas no computador, minha atenção para com a música destina-se quase sempre a comprar cd´s nas lojas Americanas, colocar no meu som ultrapassado e ler a música, a melodia, a guitarra e a voz (se tiver), afundo-me no travesseiro e vou vivendo cada nota, cada palavra, cada som. Na verdade ocorre o inverso, as trilhas sonoras narram a minha vida, lêem meu pensamento.

Já no ritual da leitura, descobrirás logo quando um livro me pertence, deixo marcas nos livros que li, meus dedos estarão nas páginas e alguns trechos grifados com marca texto. O que é importante sempre ficará evidenciado. A leitura para mim é como meditação, requer silêncio e hábito.

Só há um momento em que consigo misturar a água e o óleo, é no amor. Quando a sonoplastia faz eco baixinho entre as cortinas e lençóis, a leitura é feita em braile, em uma dicotomia de silêncio e sons. 

(Juliana Trentini)
Aperitivo musical:

"Ando por ai querendo te encontrar/ Em cada esquina paro em cada olhar" (Marisa Monte/Morais Moreira)