Férias chegando e enfim posso me dar ao luxo de escolher minhas leituras. Já estava farta de ler resenhas e resumos sobre o ato de resenhar ou estudar a história das línguas românicas. Enfim...coisas da faculdade, não nego a importância das mesmas para a minha formação acadêmica, porém dizer que é uma leitura prazerosa, isso já é hipocrisia.
Comecei a ler "Mulher Perdigueira" de Fabrício Carpinejar, presente que ganhei dos meus amigos e grandes leitores (Sil e Dolfo). Fiquei maravilhada por ganhar um livro autografado e por ele chegar assim de surpresa na portaria do meu prédio; é muito bom ser lembrada, e mais, lembrarem do que a gente realmente gosta. A paixão por Carpinejar (obra) começou quando minha mãe apresentou-me o livro "Como no céu" e ele me fez realmente alcançar o céu das palavras e compreender o chão, os elementos e as sensações e ainda mais encantada fiquei porque nesse mesmo livro existe um outro, como se fosse outra parte, ótimo para quem gosta de dar uma espiadinha de trás pra frente do livro, intitulando-se o segundo (?) "Livro de Visitas". E foi como quem entra pela porta dos fundos e vai direto para a cozinha tomar café e comer bolo, eu me senti em casa, abrigada em um ninho repleto de metáforas e comparações sensíveis e táteis.
Com o último livro tive certo preconceito. Por que cargas d’água mulher PERDIGUEIRA? Quer dizer que as mulheres são cadelas boas para a caça? Quando li a crônica que nomeia o livro, meu preconceito diminuiu parcialmente, pois em sua crônica ele diz gostar das mulheres contraditórias, das que ninguém quer, essas ele quer. Daquelas que fazem escândalo nas brigas e que cercam seu companheiro o tempo inteiro. Em seu texto diz: “Não me interessa um tempo comigo quando posso dividir com alguém. Quero uma mulher que esqueça o nome do seu pai e de sua mãe para nascer em meus olhos. Em todo momento. A toda hora. Incansavelmente. E que eu esteja apaixonado para nunca desmerecê-la, que esteja apaixonado para não diminuí-la aos amigos.”
Pois eu não quero ser uma mulher perdigueira, interessa-me um tempo comigo, eu preciso me amar para poder amar os outros, eu preciso me conhecer para conhecer os outros. E eu quero alguém que saiba compreender o vazio, que me ame na presença, mas na ausência também, o espírito tem que ser maior do que a carne. Não quero alguém que esqueça os amigos para me viver 24 horas por dia, nem quero ser assim por ninguém. Eu quero alguém que possa mergulhar nos meus olhos e não nascer neles, cada um que tenha o seu cordão umbilical com quem lhe pariu, com quem te ama muito mais do que eu jamais amarei, quem lhe deu a vida. Sim, concordo quando diz que esteja apaixonado para nunca desmerecê-la, nós devemos cultivar e valorizar quem reparte o seu cotidiano e seus abraços conosco, mas isso não significa anular-se.
É fato que odeio ouvir frases do tipo “ a gente se fala” ou eu “gosto muito de você, MAS...” Não gosto da falta de compromisso, não gosto das palavras ditas superficialmente, não gosto de promessas não cumpridas. Porém, eu não quero ser caçadora nem caça e também acho que ninguém deva se enquadrar nessas definições. Devemos estar atentos para entender a pelada depois do trabalho, ou mesmo a sua namorada indo a prainha tomar cerveja com as amigas. Por que não?
Pois é, continuo sendo fã de Carpinejar, mas pulo a mulher perdigueira para ficar só com sua rica poesia. E que encontremos a liberdade de amar, não aquela sem compromisso, acompanhada de um “a gente se vê por aí”, mas sim a liberdade de aceitar que as pessoas são seres individuais e não irmãos siameses.
(Juliana Trentini)
Aperitivo poético:
" Não basta entrelaçar as mãos,
andamos de pés dados de noite.
De leve, empinar o peito do pé
na sola feminina, ensolarada,
um outro lençol no lençol.
Acariciar o batimento dos dedos,
A guitarra das unhas,
ciscar a marca das tiras,
se aproximar
com a melodia insegura.
Dormir de pés dados
é se espreguiçar para dormir
mais. "
(Carpinejar)